Os detalhes do esquema que adoeceu a Apae Campo Grande
Neste domingo, a Coluna Capivara Criminal conta como o ex-coordenador da instituição se tornou alvo do esquema de corrupção investigado pelo Gaeco
Quando a operação Turn Off veio à tona no fim do ano de 2023, causou uma grande polêmica. Não era para menos. O esquema revelado pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) escancarava a corrupção dentro de duas secretarias estaduais, as principais no auxílio à população, saúde e educação.

Empresários foram presos, servidores e até o secretário-adjunto estadual de Educação foram afastados. Conforme os detalhes começavam a ser divulgados, descobriu-se que os desvios de dinheiro público alcançaram também a Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais).
Ali, o centro do esquema era o então coordenador, Paulo Henrique Muleta Andrade. Já naquela época, ele era acusado de surrupiar R$ 8 milhões da instituição. Por isso, também foi preso, mas, menos de um mês depois, conseguiu a liberdade na Justiça.
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Nesta semana, Paulo Muleta voltou para a cadeia, e os detalhes que levaram a essa decisão mostram o quanto a corrupção e os desvios de dinheiro público são um verdadeiro câncer nas instituições brasileiras.
Antes de começar a contar esses detalhes, é importante lembrar que a Apae nasceu em 1967 com uma missão genuína. São anos fazendo a diferença na vida de pessoas com deficiência. Ela também foi vítima da ganância dos nomes que hoje são personagens da Capivara Criminal.

O começo
Para o Ministério Público, os desvios na Apae começaram em 2019. Paulo era o coordenador da instituição e foi corrompido pelos empresários e irmãos, Lucas Andrade Coutinho e Sérgio Duarte Coutinho Júnior – os responsáveis por todo o esquema revelado na Turn Off.
Nessa mesma época, a Apae firmou parceria com o Governo do Estado, ou seja, recebia dinheiro público para atender os pacientes.
Basicamente, o “negócio” entre eles girava em torno de contratos superfaturados entre as empresas dos irmãos e a Apae. Em troca, Paulo recebia propina, um valor que, de 2019 a 2023, somou R$ 919.852,26.
Se já não bastasse os danos causados até aí, Paulo foi além. Segundo o Ministério Público, a “ambição” do então coordenador da Apae fez com que ele pensasse em um esquema “muito mais lucrativo” dentro da instituição.
Com a ajuda do contador João Antônio de Freitas Silva, abriu quatro empresas de fachada e começou ele a fazer o mesmo negócio que os irmãos Coutinho.
Por dentro do esquema
Escreve o Ministério Público que as quatro empresas criadas pela dupla eram especializadas na área hospitalar e estavam “prontas” para oferecer os produtos de ostomia necessários para a execução do contrato entre Apae e estado.
Como Paulo era o gestor da instituição, eram as empresas dele as escolhidas.
O esquema funcionava assim:
A empresa, em nome de Paulo, adquiria os produtos por um preço e simulava a revenda para uma segunda empresa, essa no nome de João. Depois, o contador tornava a vender para a Apae, sempre com valores muito acima do inicial.
Todos esses procedimentos eram regularizados com notas falsas, “notas frias”, como são chamadas, e por isso, continham valores inflacionados. Mas o problema era ainda maior, já que muitas das vezes a “venda” era feita para a instituição sem o produto sequer existir nos estoques das empresas de fachada.
Os investigados eram tão familiarizados com o esquema que, no mesmo dia em que as notas falsas eram produzidas, o pagamento caía na conta deles.
Os desvios com as empresas falsas chegaram a R$ 8.163.500,25.
Não para por aí…
Segundo as investigações, depois que se tornaram alvos da Operação Turn Off, João e Paulo trataram logo de “dissolver” o dinheiro do crime, gastaram mais de R$ 2,8 milhões na aquisição de bens.
Paulo, assim que deixou a prisão, no dia 4 de dezembro de 2023, providenciou transferências das empresas de produtos hospitalares para sua conta pessoal.
- Da primeira, tirou R$ 585.809,09 e mandou direto para ele mesmo.
- Da segunda empresa, foram R$ 198 mil para a conta de João.
- Da terceira empresa, mais R$ 333.700,00 que também foram enviados para a conta de João.
Os valores não ficaram com o contador: foram transferidos mais uma vez para a conta de uma terceira pessoa. No fim, o valor somou R$ 900 mil, tudo ele fruto do desvio de recursos públicos da Apae.
Segundo o MPMS, o investigado que recebeu o dinheiro se tornou agiota, graças a esse valor.
Diante de tudo isso, em agosto do ano passado, a Justiça decretou o sequestro de R$ 8.986.597,51 da conta de Paulo e R$ 8.066.745,25 de João.
Na conta bancária de Paulo, só foram encontrados R$ 57.163,42.
O valor muito abaixo do esperado chamou atenção e o Ministério Público questionou oficialmente a Caixa Econômica Federal para entender o que havia acontecido. A resposta veio em 17 de fevereiro deste ano.
A Caixa explicou que, por uma falha sistêmica, a conta de Paulo não foi bloqueada integralmente (é isso mesmo que você leu) e nisso, o ex-coordenador da Apae aproveitou para tirar pouco mais de R$ 412 mil que estavam investidos na modalidade LCI (Letras de Crédito Imobiliário) e transferir para outra conta, em nome de uma terceira pessoa.
Paralelo a essa descoberta, as equipes de investigação interceptaram conversa em que Paulo afirmava que faria um “empréstimo milionário” e fugiria para a Itália, para aproveitar sua cidadania italiana e os benefícios que ela traz.
O plano, de acordo com o MPMS, chegou a ser colocado em prática, já que Paulo pediu na Justiça autorização para viajar para a Espanha com a justificativa de que iria a um casamento. A soma de todos esses fatores levou o ex-coordenador da Apae de volta para a prisão, já que ele “usou a liberdade para assegurar o proveito do crime”.
O Ministério Público também pediu a prisão de João, mas para o juiz, não havia provas suficientes contra ele para restringir sua liberdade.
Agora, os promotores trabalham em uma nova denúncia contra Paulo Henrique Muleta, dessa vez dentro da Operação Occulto, mais um capítulo da corrupção que inegavelmente coloca em descrédito o trabalho de uma instituição essencial para a sociedade por causa de uma maçã podre.
(A Capivara Criminal abre espaço para a defesa dos envolvidos na operação. Até o momento, os investigados não se manifestaram sobre as acusações)