Sala secreta, celas e os bastidores do Tribunal do Júri
O Primeira Página teve acesso ao interior do prédio e mostra como funciona a estrutura interna do julgamento, tanto para acusados quanto para quem está ali para julgar.
As paredes que num passado recente do judiciário sul-mato-grossense abrigaram julgamentos como os casos das meninas Sophia e Estrelinha, Omertà, além de crimes nunca vistos antes, como o assassino em série Nando, guardam inúmeras histórias.
É lá, no Tribunal do Júri, que muitos destinos são selados. Os julgamentos ocorridos no local, sediado no Fórum de Campo Grande, são abertos ao público.
Absolutamente qualquer pessoa pode assistir, desde que respeite o espaço, sem intervenções. Quem já teve a oportunidade de sentar no auditório sabe que a emoção fica à flor da pele.
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As vestes, as cores, os sons compõem a cena. É possível ouvir o barulho das grades abrindo e fechando logo após o juiz dar início aos trabalhos e evocar os réus.

Uma vez sentados em frente ao conselho de sentença, sairão dali com o veredito. O Primeira Página teve acesso ao interior do prédio e mostra como funciona a estrutura interna do julgamento, tanto para acusados quanto para quem está ali para julgar.
Jurados
Os jurados se acomodam em sete cadeiras posicionadas de frente para o banco dos réus. Um telão ocupa a parede para reprodução do conteúdo que será lido por defesa e acusação. Como são crimes contra a vida humana, o grupo tem acesso aos autos do processo.
Fotos das vítimas, do local do crime, acesso ao laudo necroscópico, ao que foi dito pelas testemunhas durante as audiências de instrução, tudo para municiá-los na hora de definir o voto.
É por meio de votação que o réu será condenado ou absolvido. Titular da 2ª Vara do Tribunal do Júri de Campo Grande, o juiz Aluízio Pereira dos Santos explica que, por isso, a importância de mesclar pessoas de idades, segmentos e classes sociais diferentes.

“Cada um tem sua interpretação, seu contexto de vida e é partir dessa vivência que cada um vai assimilar o que está ali sendo julgado e votar”. Para exemplificar, o magistrado narra que, em uma das vezes, um jurado votou pela absolvição de um homem que, anos atrás, tinha assassinado outro.
Como aguardou o julgamento em liberdade, o réu “refez” a vida. Constituiu família, enveredou para o lado da religião. Fato que, para aquele jurado, foi espécie de redenção ao assassino. “A justificativa do voto foi essa, que era um homem mudado, por isso merecia ser absolvido”.
No entanto, o resultado foi outro, a maioria optou por condená-lo. “Então é isso, cada um tem sua interpretação e a maioria vence”. A votação ocorre da seguinte maneira: os jurados assinalam sim ou não a cada quesito – crime e atenuantes – apresentado em uma ficha de papel.
A cédula vai para uma urna, aberta pelo juiz posteriormente. Isso para garantir o sigilo do voto. O que for marcado em maioria forma a pena que, por sua vez, é formalizada pelo magistrado. Caso os dois primeiros quesitos já estejam negativos pela maioria, é dada a absolvição. Na sequência, o júri é retomado para leitura da sentença.

Na hipótese de o julgamento ter mais de um dia, o jurado é acomodado em um hotel. Os componentes podem conversar entre si, porém nada relacionado ao que foi visto no tribunal. E, claro, jamais devem manter contato com as partes envolvidas na ação penal.
Não é comum que o julgamento tome mais de um dia, mas, quando se trata de crimes mais complexos ou com mais de um réu, pode acontecer. Como foi o caso de Stephanie de Jesus e Christian Campoçano, condenados em dezembro passado pela morte da menina Sophia Ocampo e julgados por dois dias.

O júri pela morte do estudante Matheus Xavier Coutinho, investigada dentro da Operação Omertà, também se estendeu. Foram três dias até a sentença do trio: Jamil Name Filho, o Jamilzinho, além de Marcelo Rios e Vladenilson Olmedo, em julho de 2023.
Bastidores
Até que o julgamento de fato comece, os réus ficam em celas na parte interna do Tribunal do Júri. Um protótipo das prisões permanentes, com grade e o típico banheiro acoplado à estrutura.
“É muito deplorável que um ser humano fique submetido a uma situação como essa, enjaulada como um animal, aliás, nem animais ficam mais assim. Mas se trata de pessoa que perdeu o convívio social. A vida do outro para ele não significa nada”, avalia Aluízio.

Ele explica que a prisão tem dois fundamentos. O primeiro é punir o infrator e, assim, respaldar tanto a família da vítima quanto a sociedade em si. O segundo é o efeito pedagógico, para que o cidadão se afaste da possibilidade de fazer algo que resulte em privação de liberdade.
São duas celas para que homens e mulheres fiquem separados ou para distanciar os acusados, caso haja animosidade entre eles. “Acontece dos presos se conflitarem”.
Sala Secreta
Antes usada para votação, a sala secreta hoje serve para que o réu assista ao julgamento à distância quando não está sendo ouvido.
No julgamento do Caso Sophia, a mãe da garotinha, Stephanie, preferiu ficar nesta sala quando foi a vez de Christian, seu ex-companheiro, falar sobre a morte da vítima.
“A principal função da sala é a votação, mas, ultimamente, temos feito do plenário a sala secreta. A gente suspende [o julgamento] e pede para todos saírem, então fazemos a votação aqui, que é mais confortável aos jurados que já estão estafados”.