Capivara Criminal

Sônia segue inalcançável pela Justiça, mais de um ano após cegar Leandro

Mulher jogou soda caustica no rosto de ex-companheiro e nunca mais foi achada

Até a noite do dia 22 de fevereiro de 2023, Leandro Coelho Marques, 31 anos, era tatuador em Campo Grande. Desenhava no corpo de seus clientes imagens e mensagens para durar a vida toda. Há quase um ano e meio, tornou-se impossível seguir na profissão.

Vítima de um ataque, perdeu um sentido essencial no seu ofício, que mistura talento artístico e precisão. Ficou cego, depois de a ex-companheira Sônia Obelar Gregório, de 42 anos, preparar uma emboscada.

Video mostra ataque em fevereiro do ano passado

O ex-casal estava separado havia quatro meses, depois de quatro anos de convivência turbulenta. Sônia tinha ciúmes até das tatuagens feitas  em mulheres, revelaram as testemunhas e a vítima.

O ataque

Naquela noite, Leandro chegava de motocicleta em casa, vindo da academia de ginástica, quando ela, inconformada com o fim do relacionamento, o esperava numa esquina do bairro Aero Rancho, com uma caneca cheia de soda cáustica.

Alegando pretender conversar com o ex, aproximou-se e jogou o líquido corrosivo nele. Atingiu os olhos do então tatuador.

“A vítima ainda conseguiu se deslocar por alguns metros com a motocicleta que estava pilotando, quando não mais aguentou a dor e perdeu a visão, sendo que neste momento a vítima solicitou socorro na casa de ……………, onde lavou seu rosto com água da mangueira, mas sua visão escureceu e não voltou mais, sendo acionado neste momento o corpo de bombeiros que compareceu ao local e encaminhou a vítima para a Santa Casa.”

Trecho de peça processual

Apesar do socorro rápido e das inúmeras tentativas dos médicos, inclusive com transplante, o dano foi permanente. A soda destruiu uma parte essencial do sistema ocular e por isso o prejuízo se tornou irreversível.

Foi preciso inclusive extrair o globo ocular direito de Leandro, para evitar infecção.

No dia do atentado, ficou no local um par de chinelos vermelhos. O capacete do motociclista foi levado e periciado, confirmando o uso de substância corrosiva.

Foragida

Faz o mesmo tempo do ataque que Sônia Obelar Gregório consegue driblar a polícia e a justiça. Continua foragida e sequer prestou depoimento na delegacia sobre os fatos.

Sônia Obelar Gregório
Sônia Obelar Gregório, foragida desde fevereiro de 2023 (Foto: reprodução de processo)

O que aconteceu com Leandro comoveu as pessoas em Campo Grande. Desde então, foi notícia em várias oportunidades, seja em razão da tentativa de recuperar a visão – que se revelou vã – seja por campanhas de solidariedade para ajudá-lo, devido à situação financeira difícil na qual ficou.

Nesta edição da Capivara Criminal, Leandro não é o personagem central. O objetivo aqui é abordar o que aconteceu – e o que não aconteceu – em relação à agressora.

Como está a investigação da Polícia Civil ?

E a pergunta mais ruidosa: onde está Sônia?

Pela investigação jornalística da Capivara Criminal, o estado do Paraná foi o destino para esconderijo.

Em fevereiro do ano passado, logo após o ataque ao ex-companheiro, a fugitiva contratou advogado de Curitiba, capital paranaense.

O defensor chegou a apresentar documento na 5ª Delegacia de Polícia Civil, no bairro Piratininga, descrevendo interesse da cliente de prestar esclarecimentos.

Nunca se concretizou a promessa.

Nascida em Foz do Iguaçu, a cidade conhecida pelas cataratas e pela “Ponte da Amizade” ligando ao Paraguai, Sônia Obelar Gregório – na procuração concedendo poderes a Valdecir Sebastião Teixeira – indicou endereço de Curitiba, no bairro Alto Boqueirão.

Uma das filhas dela mora na cidade, enquanto a mãe residia em Foz do Iguaçu, do ladinho do solo paraguaio. Na sequência do crime, a agressora informou à patroa que iria para a casa da genitora.

Desde 13 de março do ano passado, há mandado de prisão em aberto contra Sônia. Essa ordem judicial não aparece no Banco Nacional de Mandados, mantido pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), de consulta pública.

Pode ter havido erro na alimentação do banco, responderam fontes da área ouvidas pela coluna.

Durante as buscas para escrever este texto, a Capivara Criminal identificou que em pelo menos uma oportunidade, a polícia chegou a ir até o endereço em Curitiba, sem êxito na localização da foragida.

Se qualquer pessoa encontrá-la, deve comunicar à autoridade policial mais próxima que uma criminosa está à solta, para fazer cumprir a decisão da Justiça. Denúncias assim podem ser feitas de forma anônima.

Sônia Obelar Gregório foi indiciada por lesão corporal gravíssima. A pena prevista é de 2 a 8 anos de reclusão.

“A representada não foi localizada, demonstrando concretamente que não pretende se submeter aos ditames legais, o que reforça a necessidade da segregação.”

Decisão determinando a prisão de Sônia

Pedidos de liberdade foram apresentados tanto em primeiro quanto em segundo grau pelo advogado da ré, sem êxito. Em todas as vezes, foi mantida a ordem de segregação.

Justificativa

“A Requerente não se apresentou diretamente à delegacia de polícia na Cidade de Campo Grande haja vista à grande repercussão dada ao caso pela irmã da vítima, chamada …….., a qual, logo imediatamente após ao ocorrido, passou a difamar a Requerente através de publicações no facebook e através de mensagens amplamente replicadas pelo aplicativo whatssapp, inclusive até oferecendo recompensa para quem desse alguma informação sobre o paradeiro da Requerente, e publicando mensagens em grupos do facebook e grupos do whatsap.”

Petição da defesa de Sônia à Justiça

Nas palavras da defesa, em virtude dessa “extrema exposição, onde se colocava apenas uma lado distorcido da história, a requerente passou a receber várias ameaças, e, se sentido acuada, temendo por sua vida, como um ato de extremo estado de necessidade, optou por sair da cidade.”

O próprio advogado cita a ida da agressora ao estado do Paraná.

“Como possuía parentes somente no Estado Paraná, comprou uma passagem e foi para Curitiba, cidade onde reside sua filha”, escreveu.

Já faz mais de ano dessa informação prestada à Justiça.

Para a composição desta edição da Capivara Criminal, estabeleceu-se contato com o advogado. Ele disse não saber da localização exata da cliente.

Reafirmou haver interesse dela de se apresentar para responder ao processo. Indagado sobre quando isso ocorreria, ficou de tentar contato com Sônia para uma resposta. Depois disso, silenciou.

Em outro trecho de manifestação ao Judiciário para tentar derrubar a ordem de prisão, a acusada alegou ter sido vítima de violência doméstica por parte de Leandro.

“Não consta no procedimento onde foi decretada a prisão preventiva da Requerente é de que, em data anterior ao fato investigado no presente procedimento, a Srª Sonia e suas filhas foram vítimas de violência doméstica e tentativa de abuso, sendo que, o agressor nessas ocasiões foi o mesmo que neste processo figura como vítima, inclusive contando com medida protetiva”, argumenta a petição por liberdade.

“Ocorre que, como a Srª Sonia precisou sair de sua casa às pressas devido às ameaças que vinha sofrendo, não teve tempo para procurar e trazer consigo os citados boletins de ocorrência.”

Petição da defesa

De acordo com o profissional do Direito, foi enviado email para a Polícia Civil solicitando os boletins de ocorrência – ele cita dois – e esse pedido ainda estava sem retorno.

O advogado contratado por Leandro, Gustavo da Fonseca, negou a existência de investigação do ex-tatuador por violência doméstica ou abuso contra as filhas da ex-mulher.

Desistiu?

A Capivara Criminal descobriu o registro de um boletim na Deam (Delegacia de Atendimento à Mulher), em Campo Grande, em julho de 2021. Sem a vítima representar, ou seja, manifestar o interesse em prosseguir com a queixa policial, o caso não foi para frente.

Não foi localizada decisão determinando medida protetiva à mulher junto ao Judiciário.

Nos depoimentos colhidos pela Polícia Civil, as testemunhas, mesmo as mais próximas de Sônia Obelar Gregório, a retrataram como extremamente ciumenta e possessiva. A situação foi ao ponto de ela rezar para o parceiro ficar cego para não poder atender mulheres mais.

Está anexada ao inquérito do caso print de conversa por aplicativo de mensagens entre Sônia e a dona do restaurante onde ela trabalhava como cozinheira. No diálogo, a cozinheira chega a dizer que foi agredida pelo ex e alega ter jogado álcool e um outro produto contra ele.

Diálogo Sônia Obelar
A versão de Sônia para a patroa (Foto: reprodução de processo)

Só que as câmeras do local onde o ataque ocorreu flagraram outra cena: ela se dirigindo ao ex-companheiro quando ele chega de motocicleta e jogando algo contra Leandro. (Vídeo no início da coluna)

Surpresa com o ocorrido, a empregadora orienta a funcionária a se apresentar e comenta a recupercussão da notícia.

Conversa Sõnia e patroa 2
Empregadora orienta Sônia a se apresentar (Foto: reprodução de processo)

No relatórios das investigações, há o registro de que Sônia ficou por uma hora de plantão no lugar esperando o ex chegar.

Chegou à polícia o relato de outra tentativa de atentado, meses antes, na qual a mulher teria jogado sacos plásticos sobre a casa de Leandro, no intuito de provocar um incêndio. Ele não registrou queixa.

Conforme levantado pela coluna, o inquérito contra Sônia só foi relatado ao Judiciário no dia 15 de maio de 2024.

Como ela está foragida, não houve como citá-la ainda. Em casos assim, o processo fica suspenso, parado, até que se esgotem os meios para encontrar a ré e o juiz responsável possa fazer a citação por edital.

À espera de justiça. E de ajuda

 Enquanto a justiça não alcança Sônia, vive em dificuldades o homem de quem ela tirou a visão, a profissão e em que deixou sequelas para sempre.

Para fugir de uma raiva sem fim, Leandro disse à coluna ter se apegado à fé. Evangélico, dedica-se ainda mais a projetos da igreja, como mostra a foto baixo, cantando durante culto.

Leandro tatuador que ficou cego
Leandro cantando no culto de óculos escuros (Foto: álbum pessoal)

Vítima de um crime violento e de impacto severo na vida, citou, inclusive, a palavra perdão, algo difícil de se imaginar.

Sobre  a demora na prisão, foi sucinto, mas direto.

“É a Justiça do Brasil!”

Leandro Coelho Marques

Leandro vive sozinho em Campo Grande. Ainda não se readaptou profissionalmente e está no aguardo da concessão de benefício da Previdência Social.

Sua família mora em outra cidade e não tem condições de ajudá-lo. Não pode sair de Campo Grande pois segue o tratamento para as sequelas do ataque sofrido.

Se você quer contribuir com ex-tatuador, pode fazer contato pelo número (67) 9 9195-0347, que também é chave do Pix para doações.

Este conteúdo reflete, apenas, a opinião do colunista Capivara Criminal, e não configura o pensamento editorial do Primeira Página.