A Lei dos Mortos: a preparação do programa

Em maio do ano passado, numa sexta-feira 13, publiquei meu segundo livro: a Lei dos Mortos, pela Life Editora, que conta a história de uma vingança sobrenatural

Hoje você segue acompanhando mais dois capítulos do livro A Lei dos Mortos que lancei na sexta-feira 13 de maio de 2022 pela Life Editora. Ele conta a história de uma vingança sobrenatural. Depois que dois jovens são brutalmente assassinados, precisam se adaptar à passagem para outra vida. No Limbo, Fernando descobre uma liga de espíritos inconformados com o perdão divino. Também vítimas de violência, eles buscam punir os agressores. Na semana passada, você conheceu Ronaldo Fera, o apresentador picareta de um programa de caça-fantasmas de uma rede de televisão. Ele está numa casa com fama de mal assombrada para comemorar, ao vivo, os cinco anos de “É Hora de Perder o Sono”. Dona Dorotéia, uma vizinha que se diz testemunha dos eventos sobrenaturais, acompanha o apresentador. Boa leitura!

A Lei dos Mortos – livro de Alex Mendes (Foto: Reprodução/Instagram)
A Lei dos Mortos – livro de Alex Mendes (Foto: Reprodução/Instagram)

Capítulo 2 – O programa, um ano atrás

As reuniões de pauta que decidiam os temas dos programas de Ronaldo eram sempre bem-humoradas. Não tinham como ser ao contrário. Ficava difícil levar a sério histórias como a da panela de pressão fantasma, da caixa de correio que morde, do trem que só passa no ouvido das pessoas. E até a da família de alienígenas abandonada pelos colegas extraterrestres de um planeta desconhecido foi motivo de apreciação.

Mas aquela reunião, especificamente, tornara-se tensa. Ronaldo resolveu participar. Algo que não fazia havia muito tempo. Preferia se inteirar do assunto um dia antes das gravações e abusava do improviso que adquirira no rádio. Os personagens, também, cada um mais maluco que o outro, ajudavam e muito a performance do urso da televisão. A maioria era mesmo de verdade. Pessoas com problemas psiquiátricos ou de solidão que eram exploradas ao máximo pela falta de bom senso do programa. Mas não foram raras as vezes em que artistas acabavam contratados para contracenar com o Fera. Foi assim com o lobisomem que aparecia de relance num programa gravado numa cidadezinha do interior. E com o duende interpretado por uma pessoa de baixa estatura.

O programa era tosco. Mesmo assim, muitos acreditavam nele. Outros, apenas curtiam os absurdos. Ronaldo costumava – para aliviar as raras crises de consciência provocadas pelo jornalista enterrado pelo dinheiro da televisão – comparar seu show às exibições de luta livre com seus exageros, encenações e, por que não, um golpe dolorido de verdade de vez em quando na concorrência.

— Gente, eu estou preocupado. E quando eu estou preocupado, vocês precisam ficar preocupados em dobro. – a arrogância do apresentador tornava o ambiente pesado.

— E qual o motivo da preocupação, Ronaldo? – o diretor do programa arriscou.

— No ano que vem, vamos completar cinco temporadas do programa. E eu quero marcar esta data com um episódio especial. Algo inesquecível. Tipo… entrevistar a menina do filme O Exorcista. Não a atriz, uma menina mesmo, possuída pelo demônio. E, de preferência, ainda com o belzebu no corpo dela. Ou, então, entrar na casa do “Poltergeist”. Sabe, não quero malucos. Tô farto disso! Quero fantasmas de verdade! – esbravejou o apresentador.

O silêncio dos outros foi de cinco segundos.

— Fantasmas de verdade!? Ronaldo, quantos programas você já fez? Centenas. E já viu, alguma vez, um fantasma? Não, claro que não. E sabe por quê? Porque fantasmas não existem – rebateu o diretor.

— E é isso que eu quero! Fazer com que as pessoas acreditem! Não só aquelas idiotas que aceitam qualquer coisa que a gente passa. Quero que o terror se espalhe em todos os tipos de público. Quero que o programa seja comentado por jornais sérios, que os blogs se rendam a mim, e parem de me achincalhar. Quero que tenhamos o aniversário mais assustador da história da televisão brasileira e mundial.

Bruna, a produtora, já rabiscava a solução para o pedido do chefe. Ela levantou a mão e contou todo o seu plano.

O silêncio dos outros durou o tempo todo da fala da jovem.

O aval foi imediato.

Bruna saiu dali com a esperança de um aumento salarial e com a certeza de muito, muito trabalho. Ela começou com um pulinho no departamento de informática da emissora. Quis saber quem era o especialista em criar páginas na internet.

Um nerd de óculos foi empurrado à frente.

O garoto espinhudo e de cabelos arrepiados ganhou uma transferência temporária para a equipe do “É hora de perder o sono!” e vinte por cento a mais nos rendimentos se tivesse sucesso.
Ele teria de criar um site com histórias “reais” de fantasmas. A página teria de ganhar as redes sociais o mais rápido e convincentemente possível.

O segundo passo foi esperar dois meses até que o site fosse leitura obrigatória no círculo de adoradores do ocultismo. O terceiro foi o que deu mais trabalho. Procurar, pela cidade e regiões vizinhas, casas que estavam havia muito tempo sem serem alugadas ou vendidas.

Aí foi só criar um viral sobre fantasmas que habitavam o imóvel escolhido para que a lenda urbana virasse verdade na internet e na mente dos milhares de seguidores da webpage.

A casa escolhida, na realidade, era assombrada apenas pelo alto valor da locação pedido pelo proprietário. Mas ganhou um acréscimo no terror.

A farsa estava pronta. Ronaldo tinha a casa do poltergeist, que, pela dificuldade de pronúncia entre o público usual de seu programa, virou “A casa maldita”.

A mais assustadora residência que jamais tivera um fantasma sequer como morador.

Capítulo 3 – Espelho

Dorotéia estava nervosa.

Ela sabia que seria explorada ao extremo. Que deveria fazer as outras pessoas acreditarem nas assombrações da casa da mesma forma como ela acreditava. Só que, muito do que ela acreditava, ela mesmo inventara.

Viúva, a mulher descobriu, no computador, uma companhia para a falta do marido. Tinham trinta e sete anos de casados. E, aos 68 anos, não sabia mais o que fazer da vida. Os filhos, um casal, moravam longe. O rapaz formou-se em engenharia mecânica e foi trabalhar na Alemanha. A menina, casada, não gerara netos e acompanhou o marido médico para outro Estado.

Não fosse o fascínio que Dorotéia desenvolveu pelo mundo virtual, com certeza viveria agora, igual ao falecido, no mundo espiritual.

Ela gostava de notícias de celebridades. Sabia quem namorava quem, qual cantor separava de qual artista, quem o jogador famoso engravidara. Desenvolveu um gosto absurdo por fofoca. Ficou viciada nisso. E quando viu, na internet, que a casa vizinha era habitada por pessoas sem carne nem osso, encontrou um novo hobby.

Comprou um binóculo e passou a dividir o tempo entre as notícias nas redes sociais sobre o imóvel mal-assombrado e suas próprias pesquisas. Ficou tão decepcionada por não ver nada de estranho, mesmo sendo a vizinha da “casa maldita”, que começou a criar histórias.

Da imaginação da viúva saíram as mais terríveis. Ela as postava no site criado pelo nerd da televisão. Sempre sem se identificar, claro.

Descobriu tardiamente ser uma boa escritora sobre ocultismo. Não descobrira, ainda, que perdera a noção da realidade. Não conseguia discernir o que era fruto de sua imaginação e o que era realidade.

E ambas as condições de sua mente iriam ficar frente a frente às câmeras de televisão em alguns minutos no programa do famoso apresentador com cara de ursinho de pelúcia. Não podia decepcioná-lo. Ainda mais depois que ele se mostrou tão atencioso e simpático.

— Eu vi, sim. Tenho certeza que eu vi o homem me olhando. Ele sorria com loucura na face! – ela dizia para si mesma em frente ao espelho do banheiro. – Também ouço os barulhos. A motosserra é a que mais me incomoda. Foi com ela que, tenho certeza, o homem matou a família inteira. Ou foi com o martelo? O barulho dos baques surdos já me acordou tantas vezes. – ela tentava se convencer. Era como um aquecimento pelo interrogatório que viria.

Bruna, a produtora, já tinha feito uma entrevista prévia, uma espécie de ensaio, com as perguntas que Ronaldo faria durante a transmissão.

Dorotéia, agora, fechara os olhos lembrando da sequência. Ela tinha sido instruída sobre o tom que teria de dar em cada expressão macabra.

Foi quando sentiu um arrepio. Como se um dedo percorresse suas costas, da base até a nuca. Ela se contorceu e colocou o pescoço para trás. E o toque virou som. A mulher ouviu, nitidamente, um sussurro soprar seu ouvido.

“Meentiiroosa!”

Dorotéia não teve tempo de demonstrar reação ao susto. Não a este susto. Porque outro veio logo na sequência.

Bam! Bam ! Bam!

As três batidas na porta fizeram a mulher pular para trás e soltar o grito acumulado. Abafado por mais um que veio do outro lado.

— Dona Dorotéia, está na hora!! Precisa vir comigo agora! – era Bruna.

A idosa virou novamente o rosto para o espelho e viu a expressão de medo se transformar. Primeiro em dúvida. Teria mesmo ouvido o sussurro?

E depois, em alívio. Devia ser a tensão. Só isso.

Ela abaixou o rosto, respirou fundo, e voltou a olhar seu reflexo. Ajeitou o cabelo, balançou a cabeça numa expressão de reprovação a seu estado emocional e sorriu antes de se encaminhar para a porta.

Dorotéia saiu, mas o sorriso continuou no espelho.

E tinha, agora, outros olhos.

Uns que só enxergavam a maldade.


Na semana que vem, o programa ao vivo de Ronaldo Fera para comemorar os cinco anos do programa. O capítulo 4 é o último dessa parte que apresenta a casa habitada pelo mal. Até lá.

Este conteúdo reflete, apenas, a opinião do colunista Toda Sexta é 13, e não configura o pensamento editorial do Primeira Página.

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