Lambadão x Chamamé - MT x MS

O título é “clickbait”. Não tenho nenhuma intenção em alimentar a saudável competição entre os irmãos que têm gostos diferentes. Afinal de contas, isso acontece nas melhores famílias e nem por isso eles deixam de se amar. Também não deixam de se unir contra inimigos em comum. Por exemplo, na hora de tirar sarro dos […]

O título é “clickbait”. Não tenho nenhuma intenção em alimentar a saudável competição entre os irmãos que têm gostos diferentes. Afinal de contas, isso acontece nas melhores famílias e nem por isso eles deixam de se amar. Também não deixam de se unir contra inimigos em comum. Por exemplo, na hora de tirar sarro dos parentes distantes que ainda insistem em chamar o João de Jorge ou o Jorge de João. Jorge, o mais novo, pensa “eu já sou quase um cinquentão e até hoje a tia Lúcia pensa que eu sou o João”. E o João pensa: “será que a tia Lúcia faz isso de propósito ou é só burrice?”. E os dois se encontram, indignados, e sempre acabam rindo juntos do resto da família.



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Apesar do acaso e de outras variáveis terem dado aos irmãos diferentes percepções do mundo, eles se parecem. É inegável. Não ao ponto de justificar a confusão da tia Lúcia, mas se parecem. Os dois são músicos e também excelentes cozinheiros, mas desenvolveram gostos diferentes ao longo da vida. Nasceram no mesmo lugar, compartilham até hoje alguns vizinhos, porém, ao longo da trajetória, um se tornou mais íntimo de alguns vizinhos do que o outro. “Diga-me com quem andas e te direi quem és”. Um dos estilos musicais favoritos do mais velho, ele aprendeu com o vizinho de cima. O prato que o outro mais gosta de fazer, foi o vizinho do lado que apresentou. Minhas metáforas estão esgotando, vou precisar ser normal por um tempo.

Contam os registros que foram os garimpeiros vindos do Pará (vizinho de cima) que trouxeram a Lambada para as terras mato-grossenses. Pesquisadores da cultura popular do estado, tem a hipótese de que o Lambadão tenha surgido a partir da fusão de três ritmos: Lambada, Carimbó e Axé music. Como um experimento musical, o Lambadão teria nascido em Poconé, no pantanal de Mato Grosso e depois foi fortemente abraçado e personalizado pela cultura urbana de Cuiabá e Várzea Grande. Foi tão abraçado, que em 2018 foi elevado a categoria de Patrimônio cultural pela prefeitura de Cuiabá. A mesma lei que o tornou patrimônio cultural da cidade, transformou o dia 10 de setembro no “Dia do lambadão”. Isso porque foi nessa data que nasceu Chico Gil, poconeano conhecido como o “Rei do Lambadão”.

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Chico Gil – Rei do Lambadão (Foto: Arquivo/divulgação)



Mato Grosso do Sul em 2021 reconheceu o Chamamé como bem de natureza imaterial do estado. O ritmo de compasso ternário, foi herança da guerra do Paraguai (vizinho do lado). O intenso processo migratório no século XIX e o ciclo da erva mate promoveram uma troca cultural, apesar dos pesares. Por terem a mesma divisão rítmica – comum entre gêneros musicais fronteiriços como a Polca e a Guarânia, as histórias sobre a origem do Chamamé se misturam um pouco. Uns dizem que o chamamé nasceu em Corrientes, na argentina, outros, que surgiu de uma mistura entre a polca paraguaia e a guarânia. O fato é que o Chamamé sul-mato-grossense nasceu em Mato Grosso do Sul, assim como o Lambadão em Poconé. 

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O Chamamé sul-mato-grossense também tem um rei: Zé Corrêa. O sanfoneiro, filho de gaúchos, nasceu na região conhecida como Água fria, perto de Nioaque e Maracaju. Um rei de lá e um rei de cá, os dois com súditos apaixonados, orgulhosos e fiéis. Experimente falar mal do Lambadão em Cuiabá ou dizer que não gosta de Chamamé em Campo Grande. Se eu inventar o “Lambamé” ou o “Chamamão” todos vão me adorar, ou todos vão me odiar? Melhor não arriscar.

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Zé Correa – Rei do Chamamé (Foto: Arquivo/divulgação)



Bom, o fato é que a criação de um novo estado em 1977 não serviu só para agradar os divisionistas do lado sul. Também foi útil para enxergarmos com mais clareza as riquezas das diferentes identidades culturais de um estado que – mesmo depois da criação de um novo dentro do território – ainda é maior do que todo o território da Itália, Espanha e Portugal, somados. E ainda sobra troco pra devolver o território das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro.

Falamos só da música e de apenas dois ritmos. Outros diamantes culturais reforçam as diferentes identidades: Chipa, cabeça de pacu, sopa-paraguaia, escaldado, sarravulho, alas, xômano…..

Apesar das diferenças, irmãos sempre tem muitas coisas em comum. Muitas coisas nos unem e não nos deixam esquecer que somos da mesma família: Arroz carreteiro/Maria Isabel, Pantanal, capivaras, viola de cocho, música sertaneja, vocação para o agronegócio, rios cristalinos (Bonito e Nobres), raiva da tia Lucia, obras paradas, infraestrutura precária e políticos corruptos.

O Chamamé está para Lambadão assim como chipa está para cabeça de pacu? 

Este conteúdo reflete, apenas, a opinião do colunista Toca Raul, e não configura o pensamento editorial do Primeira Página.