Uma das maiores músicas brasileiras de todos os tempos foi feita de dentro do Carandiru

Um detento do Carandiru escreveu de dentro do presídio o que viria a ser um dos maiores sucessos da música brasileira.

Quem incluiu essa música feita no Carandiru na lista das maiores músicas brasileiras de todos os tempos foi a revista Rolling Stone, referência pra esse tipo de definição no mundo. 

Mas mesmo se a revista tivesse ignorado completamente essa obra, o povo brasileiro já havia elegido essa música como uma das maiores de todos os tempos.

É claro que quando falamos de música precisamos levar em consideração que cada ser humano tem um “gosto” pra som.

O gênero em que essa música se enquadra não é muito “pop”. Pelo contrário. O preconceito muitas vezes acaba enquadrando como um subgênero musical.

Mas essa interpretação geralmente vem de alguém que não consegue compreender música com a complexidade que a arte exige.

Estamos falando de um dos raps mais conhecidos da música brasileira.

Mas como essa música foi feita?

No Carandiru, estava preso um homem chamado Jocenir Prado:

Jocenir Prado
Jocenir Prado (foto: Fabio Prado)

Jocenir foi preso em 1994, aos 44 anos, por receptação.

Ele conta que foi preso injustamente porque assumiu a culpa do irmão que estava envolvido num roubo de cargas.

Fato é que Jocenir ficou preso quase 4 anos.

Como ele sabia escrever e a maioria dos detentos tinha dificuldade, ele começou a ajudar os presos a escreverem petições judiciais, cartas pra parentes e aí pegou gosto pela coisa.

Começou também a escrever poemas com as histórias de vida que ele ouvia no presídio.

Os cadernos que ele escrevia os poemas começaram a circular pelo Carandiru de mão em mão, até que todo mundo conhecia os textos do Jocenir.

A visita que mudou a vida de Jocenir

Em 1996, o rapper Mano Brown, dos Racionais Mc’s, foi visitar o Carandiru e ficou sabendo que lá dentro tinha um poeta que estava viralizado nos pavilhões. Ele pediu pra conhecer Jocenir. 

Josenir foi até ele com os cadernos e deixou algumas folhas pro Mano Brown levar pra casa.

Entre as histórias do Jocenir estava uma sobre o massacre do Carandirú, ocorrido em 2 de outubro de 1992, 2 anos antes de Jocenir ser preso.

Ele ouviu as histórias dos detentos que estavam no massacre e colocou tudo papel.

Mano Brow e Jocenir
Mano Brown e Jocenir Prado

A partir disso, Mano Brown fez nascer o maior clássico do rap brasileiro que conta a história começando um dia antes do massacre:

“Sao paulo, dia 1º de outubro de 1992, 8 horas da manha.
Aqui estou mais um dia sob o olhar sanguinário do vigia”

E termina um dia depois dos 111 presos serem mortos:

“Ratatatá, Fleury e sua gangue
Vão nadar numa piscina de sangue
Mas quem vai acreditar no meu depoimento?
Dia 3 de outubro, diário de um detento”

Luiz Antônio Fleury Filho era o governador de São Paulo na época e foi ele quem legitimou a entrada da polícia no presídio sob a justificativa de que “existiam pessoas que estavam matando umas as outras”. 

Esses trechos são da música “Diário De Um Detento” registrada em nome dos autores Josenir Prado e Mano Brown.

Jocenir foi solto em 1998 e escreveu o livro “Diário de um detento” que conta outras histórias do período em que ele passou no Carandiru. 

Ele morreu em 1 de dezembro de 2021, aos 71 anos.

Ouça “Diário De Um Detento”


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Este conteúdo reflete, apenas, a opinião do colunista Toca Raul, e não configura o pensamento editorial do Primeira Página.