Aumento de casos de covid-19 na China. E o Brasil com isso?
Algumas questões podem explicar esse aumento e é importante entender o impacto desse aumento para o resto do mundo
A China foi um dos países que obteve maior sucesso na contenção da transmissão da covid-19 adotando a política de covid zero. Essa política adotava a testagem em massa em locais com casos de covid-19, o isolamento de pessoas em casa ou em instalações governamentais, fechamento de empresas e escolas nas áreas de confinamento e lockdowns até que nenhuma infecção fosse encontrada.

As políticas de contenção da transmissão baseadas em medidas não farmacológicas são importantes para proporcionar tempo necessário de preparação. No caso do covid-19, tempo para abertura de novos leitos hospitalares, tempo para vacinar toda a população, tempo para aquisição de tratamentos antivirais que vão reduzir a letalidade e principalmente planejamento para os diferentes cenários epidemiológicos. Manter por muito tempo medidas tão restritivas gera maior resistência na adesão da população além do prejuízo sócio-econômico.
A China vem enfrentando um aumento de casos e óbitos por covid-19, mesmo com políticas rígidas de combate a doença; algumas questões podem explicar esse aumento e é importante entender o impacto desse aumento para o resto do mundo:
O que explica uma mudança nos indicadores epidemiológicos da covid-19 na China?
Claramente com a circulação das novas sub variantes da Ômicron (BQ.1 e XBB15) houve um aumento expressivo da taxa de transmissão. Para contenção de uma variante mais transmissível são necessárias políticas mais restritivas, o que impactaria diretamente no dia a dia dos chineses com maior impacto econômico. Relatos da China mostram uma forte resistência da população à política de covid-19 zero o que gera menos adesão e dificuldade de conter a transmissão.
Qual o real impacto da mudança na China?
Artigo recente publicado na Nature relata que alguns modelos estimam pelo menos um milhão de óbitos nos próximos meses. Não temos nenhum dado real da China. Oficialmente apenas 13 óbitos foram relatados em todo mês de dezembro. Recentemente reportagens de diversos meios de comunicação descrevem um cenário muito diferente com hospitais lotados com pacientes pelos corredores e aumento de cremações. No dia 30 de dezembro, a equipe da OMS se reuniu com representantes do governo chinês para solicitar uma maior transparência em relação ao número real de óbitos.
Porque tantos óbitos em um país que teve tempo necessário para uma melhor preparação? Existem três razões principais:
1) Baixa cobertura de dose reforço principalmente nos idosos;
2) Pouco disponibilidade de outras plataformas de vacinas e;
3) Poucos leitos de terapia intensiva. Dos mais de 260 milhões de chineses com mais de 60 anos, apenas 70% têm dose de reforço e entre os com mais de 80 anos, apenas 40%. Além disso, a utilização de vacinas de vírus inativado explica a suscetibilidade dos grupos de maior risco para internação e óbito. Temos robustas evidências sobre produção de anticorpos neutralizantes e de efetividade que mostram menor proteção das vacinas de vírus inativado para os idosos, principalmente as pessoas acima de 80 anos.
Quais os reais impacto para o Brasil e como devemos nos preparar?
Devemos nos preparar baseado em planos de contingenciamento. Precisamos aprender com o passado. No início da pandemia por conta do aumento das internações da China, houve uma escassez em todo mundo de equipamento de proteção individual, medicamentos e equipamentos médicos. A China é o grande exportador de materiais e equipamentos de saúde. Precisamos ter planos de contingência para prevenir a provável falta desses materiais e equipamentos no Brasil caso haja um cancelamento das exportações chinesas. Além disso, se temos maior transmissão, temos um risco do surgimento de novas variantes que possam ser responsáveis pelo surgimento de novas ondas de COVID-19. Devemos nos preparar para essas novas ondas associadas a novas variantes com o aumento da cobertura vacinal.
Nossa cobertura vacinal de segunda dose de reforço nos maiores de 40 anos está abaixo de 50% e é fundamental que possamos avançar nesta segunda dose principalmente para os mais idosos e garantir antivirais para os grupos vulneráveis (https://primeirapagina.com.br/tag/saude-em-evidencia/). Também temos que voltar a ter uma cobertura de vigilância genômica adequada com boa cobertura e boa representatividade geográfica.
Recentemente os EUA impôs testagem obrigatória para todos os viajantes da China. Essa medida é draconiana porque não impede a disseminação de novas variantes e impõe restrições e discriminação para uma população especifica. Essa medida inibe a vigilância genômica e a disseminação da informação em tempo oportuno. Já erramos no passado, quando fizemos isso para África do Sul quando surgiu a variante Ômicron.
Mais importante que impor testagem obrigatória, seria monitorar com sequenciamento uma parcela dos viajantes para que possamos identificar mais oportunamente a introdução de uma nova variante e ter mais tempo para preparação para uma nova onda.