BBB do frete seguro filma policiais civis de MS descarregando cocaína de viatura
S-10 caracterizada da PCMS viajou de Ponta Porã para Campo Grande lotada de drogas. O espaço usado foi o compartimento usado para transportar criminosos
Chamada de “corró” na linguagem policial, a parte traseira das viaturas é feita para abrigar pessoas flagradas cometendo crimes. Em Mato Grosso do Sul, traficantes estão usando esse espaço – onde eles deveriam estar – para cruzar as rodovias carregando drogas e, com o “frete seguro” garantido, driblar a fiscalização.
Viatura caracterizada chega a residência em Campo Grande e na sequência, policiais e traficante descarregam droga
Isso só ocorre porque agentes de segurança pública mudam de lado e viram, também, traficantes. Usam os veículos públicos e a prerrogativa confiada a eles – de circular livremente – a favor de organizações especializadas no comércio ilegal de cocaína, maconha e outros produtos proibidos.
Presos na operação Snow, dois policiais civis de Mato Grosso do Sul foram filmados no dia 4 de maio do ano passado, junto com um traficante, com o veículo adesivado da Polícia Civil lotado de cocaína. A gravação, à qual o Primeira Página teve acesso, está no início do texto.
A cena mostra a entrada do veículo em uma casa alugada para eventos, a abertura do “corró” e a retirada de fardos de cocaína por três homens. Dois são policiais lotados em Ponta Porã, na fronteira com o Paraguai, e o outro um criminoso, segundo descobriu o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado).
Gravação mostra Fiat Toro escoltando viatura da Polícia Civil
Imagens captadas no trajeto mostram o traficante fazendo o trabalho de “batedor”, seguindo a viatura, uma S-10 preta, a bordo de caminhonete Fiat Toro.
No dia 12 de maio de 2023, a PRF (Polícia Rodoviária Federal) aprendeu 360 quilos de cocaína e pasta base. Para as autoridades, trata-se do material transportado no carro policial para Campo Grande.
Além do uso do veículo comprado com dinheiro público para combater o crime, o Gaeco identificou fortes indícios de que a carga foi desviada da polícia.
Seria parte de uma quantidade grande de entorpecentes colocados para incineração na época, como ato final das ações para tirar as mercadorias de circulação.
Imagens recolhidas mostram semelhança dos invólucros usados para embalar o material incinerado e o dos pacotes carregados na viatura flagrada entrando na casa.
O carregamento, conforme os trabalhos do Gaeco, saiu de Ponta Porã para Campo Grande.
Anderson César dos Santos Gomes, 47 anos, e Hugo Cesar Benites, 49 anos, estão presos desde o dia 26 de março, quando a operação Snow foi às ruas.
Policiais Anderson e Hugo junto a viatura carregada com fardos de cocaína (Reprodução de processo)
Também foram afastados da corporação, por ordem judicial, e respondem a sindicância da Corregedoria-Geral da Polícia Civil.
Estão custodiados na 3ª Delegacia de Polícia Civil em Campo Grande, carceragem específica para integrantes da corporação envolvidos com a criminalidade.
Anderson já havia sido preso em setembro do ano passado com uma carga de cocaína avaliada em R$ 40 milhões, igualmente transportada em carro oficial da Polícia Civil.
Suspeito morreu executado
O homem que aparece com a dupla de policiais descarregando os fardos de cocaína é Valdemar Kerkhoff Junior, conforme o Gaeco.
Na cena registrada, ele chega a olhar para a câmera de segurança em dado momento, e tenta mudar o equipamento de posição.
Traficante Valdemar Kerkhoff olha para câmera de segurança em residência onde droga foi descarregada (Reprodução de processo)
Kerkhoff foi executado em 26 mês de junho do ano passado, aos 41 anos, junto com o irmão Eder Kerkhoff, de 39 anos. Ambos estavam no lava-jato do qual eram donos, em Ponta Porã, quando pistoleiros chegaram em um Fiat Siena.
Foram disparados tiros de pistola 9 mm e fuzil 5.56.
Entre os irmãos, Valdemar tinha histórico de envolvimento com atividades de traficância. Havia ficado preso por 10 anos no Rio de Janeiro, depois de ser alvo de operação, sob acusação de ser um grande negociador de entorpecentes na região fronteiriça.
O duplo homicídio ainda não foi esclarecido.
A operação Snow
No dia 26 de março, quando desenvolveu as ações de campo, a operação Snow cumpriu 21 mandados de prisão.
Outros 32 mandados de busca e apreensão, para coleta de provas, foram executados. Um deles foi em dois endereços ligados ao policial Célio Célio Rodrigues Monteiro, de 51 anos, o “Manga Rosa”, lotado na 5ª Delegacia de Polícia Civil em Campo Grande.
“Manga Rosa” foi alvo da operação Omertà, de combate a milícias armadas, suspeito de lavagem de dinheiro. Foi inocentado em primeiro grau. O processo está em fase de recurso pelo Gaeco, no sentido de reverter a decisão e condenar o policial.
Foi aberta nova sindicância da Corregedoria da Polícia Civil. O investigador segue trabalhando.
O objeto da operação Snow é provar “a existência de uma organização criminosa estabelecida em Campo Grande, com ramificações em Ponta Porã/MS, especializada no tráfico interestadual de drogas”.
Pelas descobertas feitas, os criminosos usavam, além das viaturas policiais, caminhões frigoríficos para o transporte de drogas.
Usavam esses veículos especificamente porque, diante da carga perecível, é colocado um lacre. A abertura para fiscalização é mais complexa, dependendo da presença de equipes da vigilância sanitária.
Entre os presos, estão homens apontados como traficantes,
donos de transportadoras que fariam parte do esquema e os policiais civis.
São preventivas as prisões. O Gaeco já fez a denúncia à Justiça contra os 21 suspeitos. Agora, o juiz responsável, da 5ª Vara Criminal em Campo Grande, vai decidir se recebe ou não a peça, transformando os denunciados em réus.
A palavra da defesa
“O processo tramita em segredo de justiça e está ainda em fase inicial, com recente oferecimento de denúncia, de modo que os fatos ainda precisam ser esclarecidos no decorrer da instrução da ação penal. Porém, não constam das investigações até agora acessadas pela defesa, elementos que indiquem que o conteúdo visto nas imagens sendo descarregado, seja droga ou qualquer outra coisa ilícita, tratando de hipótese que os investigadores levantaram. Cabe mencionar que a defesa, ainda, não teve acesso à integralidade do material produzido na investigação, não podendo, diante do segredo de justiça, fornecer maiores detalhes.”
Jail Azambuja, advogado do policial civil Anderson
Os policiais Hugo e Anderson, que estão presos (Foto: rede social)
“O processo criminal do policial civil Hugo é sigiloso. Portanto, a sua defesa técnica atesta apenas que a sua inocência já está sendo demonstrada no processo e, ainda, que o pedido de liberdade realizado se encontra aguardando decisão do Juízo.”
Carolina Gevaerd, advogada do policial civil Hugo
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