Com quantas medidas protetivas se faz um feminicida?
Vanessa faria 43 anos neste domingo, mas hoje, a protagonista da coluna não é ela, e sim o homem que tirou sua vida: Caio César Nascimento Pereira
Não era para ser esse o tema da coluna de hoje.
Mas na madrugada de quinta-feira (13) recebemos a confirmação do primeiro caso de feminicídio do ano em Campo Grande. A vítima era conhecida. Jornalista, assessora de comunicação de um órgão público, amiga dos amigos de profissão.

Vanessa Ricarte era conhecida pelo sorriso lindo e pela simpatia. Hoje, 16 de fevereiro, ela faria 43 anos e eu adoraria falar a vocês que essa é uma homenagem a ela, mas não é.
Esse é o grito de desabafo de uma jornalista cansada de enterrar mulheres em seus textos. De uma pessoa que já escreveu sobre feminicídios demais, que já viu a história se repetir mais vezes do que gostaria de contar.
É por isso que, hoje, a protagonista não é a Vanessa, e sim o homem que tirou a vida dela: Caio César Nascimento Pereira.

Caio é um músico conhecido no cenário de Campo Grande, mas que aqui vai ser tratado como ele é: um homem violento, que nessa altura da vida não poderia ter passado “limpo” diante de todos os danos que causou às mulheres que cruzaram seu caminho.
SEIS. Esse é o número de mulheres agredidas de alguma maneira por Caio antes que ele chegasse a Vanessa.
A mãe e a irmã dele estão na lista. A primeira mulher com quem casou foi agredida vezes demais para ter coragem de falar do que viveu ao lado de Caio. Uma das ex-namoradas preferiu largar a própria casa, com tudo que tinha, por medo. Uma quarta vítima teve o rosto arrastado no asfalto durante o surto de raiva do músico.
Seis também é o número de vezes que a justiça decretou medida protetiva contra Caio. Entre os muitos processos, mais de dez, por seis vezes as vítimas pediram que ele não chegasse perto delas. Que o estado garantisse isso.
Agora, se você me perguntar em quantas ele foi preso, vou ter que responder que, pelas minhas pesquisas, apenas uma. E por três dias. Esse histórico já existia nessa época, mas não pesou contra ele, não foi o suficiente.
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A cada novo caso, o antigo não foi considerado. O sinal de alerta não foi acionado nem quando a justiça decretou a sexta protetiva contra ele. Os dados não foram cruzados e as novas agressões não foram consideradas violações às ordens judiciais. Mas foram.
Se os processos tivessem andado, Caio poderia já ter sido parado com alguma medida restritiva de liberdade. A justiça falhou em proteger as mulheres que se relacionaram com Caio. Assim como a polícia falhou com Vanessa.
Falhou porque deixou ela ir embora sozinha depois de ela contar que o homem que estava há cinco dias usando cocaína em sua casa já tinha apontado a faca para ela e ameaçado sua vida. Falhou porque não deram atenção para a pilha de boletins de ocorrência que gritava que Caio era sim um homem violento e que tinha como alvo apenas mulheres.
Falhou porque, assim como as vítimas de um relacionamento tóxico, não acreditou que aquele homem chegaria a tanto.
Mas ele chegou. Assim como tantos outros com o mesmo perfil que o dele.
Talvez por isso me lembrei da Mayara Fontoura Holsback e do Roberson Batista da Silva, o Robrinho, o homem que, no dia em que terminou de cumprir a pena por tentativa de homicídio contra a ex-mulher, matou a companheira a golpes de tesoura. Que, mesmo dentro de uma prisão, monitorava a jovem pelo celular, controlava suas compras e até o seu Uber.
A rede de proteção falhou em 2016 e, quase nove anos depois, falhou de novo.
Não era preciso ouvir da própria Vanessa em seus últimos áudios enviados por WhatsApp que foi tratada com “descaso” na delegacia. Sua morte escancarou um erro coletivo; a banalização dos casos pela polícia, a inércia do judiciário e o machismo enraizado na sociedade, que permitiu o assassinato de mais uma mulher pela pessoa que dizia amá-la.
Ao ouvir Vanessa narrar suas últimas horas com Caio, a frase que mais me marcou foi a que ela deixa claro a fé de que nada aconteceria a ela: “ele não é louco de fazer algo comigo”. Mas ele foi e agora escrevo a vocês sobre mais um feminicídio.
Vanessa não foi a primeira vítima de Caio, mas sinceramente, eu espero que dessa vez ela seja a última.
Espero também que não precise dedicar essa coluna a mais um caso de feminicídio.
Comentários (3)
Me desculpa primeira página,mas essa publicação não faz parte do editorial?parece me que estão se isentando da responsabilidade que todos temos sobre uma pessoa viver ou não?temos sim, e no minino,esperava se mais empatia da vossa parte,vc tem medo de quê?de processo por parte do meliante,vai ser mais uma vítima nas sandices do meliante?a verdade é para ser dita ,e mostrada ,dia a quem doer,essa postura de se isentar me assusta ,por isso somos assassinadas.pronto falei e com certeza o rechapta vai falhar e não publicar também por medo?
É muito triste saber que nós como mulheres, não temos a proteção da justiça Brasileira,contra esses monstros,por isso temos que nos sentir desprotegidas,o que nos resta é nos apoiar umas as outras, denunciar casos que sabemos tentar ajudar o máximo que pudermos, descanse em paz Vanessa, que a justiça seja feita por vc.
Excelente artigo, mas acena sobre machismo, denotando que é o movimento feminista que indevidamente comanda a sociedade nessa conclusão. Mulheres também matam, mães também matam. Portanto, o suporte biopsicossocial deveria ser a PSICOPATIA, vez que o próprio sistema que criou essa inversão é psicopático. A Casa da “Mulher” deveria ser de DEFESA DA FAMÍLIA BRASILEIRA, ainda que se acrescente “e familiar” criando puxadinhos da criança e adolescente. Pensem nisso!