O Clã Mota e os cifrões que garantiam guarda armada internacional
Paga em dólar, uma dezena de homens, três deles estrangeiros, foram selecionados entre candidatos do mundo todo para proteger o Clã Mota e, pelo menos até agora, o cabeça do esquema, Dom, de 31 anos, segue foragido
O “Clã Mota”, família milionária da porção geográfica onde Brasil e Paraguai são entrelaçados, voltou a ser notícia nos últimos dias, com a prisão do patriarca, Antônio Joaquim da Mota, de 64 anos, pela Polícia Federal.
Capturado em Ponta Porã, Tonho foi direto para o Presídio Federal de Segurança Máxima de Campo Grande, transportado em avião do governo sul-mato-grossense.
Tudo foi feito sob forte esquema de segurança, devido ao risco de tentativa de resgate. Essa possibilidade era considerada bastante factível pelas autoridades, diante do investimento de peso feito pela família em uma milícia privada. O retrospecto das ações policiais anteriores contra o clã dava sentido ao temor.
Nesta edição da Capivara Criminal, você vai ver que os indícios colhidos pela Polícia Federal evidenciam altos valores aplicados para manter um grupo de mercenários com treinamento especializado, arrebanhados no mundo todo.
Graças à proteção dessa guarda armada particular, segue como foragido o filho de Tonho, o Motinha, de 31 anos. Também apelidado de Dom, numa clara referência às máfias italianas, ele é classificado pelo MPF (Ministério Público Federal) como o verdadeiro cabeça das atividades ilegais atribuídas aos Mota, a partir das conclusões do trabalho policial.
Era o Mota mais jovem quem cuidava da formação do esquadrão privado de segurança tanto para blindar os negócios ilegais quanto manter dos investigados em liberdade. Para Dom, o esquema continua funcionando.
Ele tem mandado de prisão em aberto e uma vaga solicitada no presídio federal, por ser considerado perigoso demais para outras unidades prisionais.

Antônio Joaquim Gonçalves Mendes da Mota sumiu do radar no dia 30 de junho de 2023, quando foi desencadeada a operação “Magnus Dominus”. Pelos rastros deixados, a fuga foi pelo ar, de helicóptero, mesmo meio usado, dizem os levantamentos policiais, para embarques de cargas de droga.
Motinha teria sido avisado da ofensiva das forças de segurança, como admitiu em depoimento, o homem considerado chefe da segurança do traficante, Iuri Silva de Gusmão, de 30 anos, o Légio, preso na operação de junho passado. O conteúdo do depoimento foi relevado pelo programa Fantástico, da rede Globo.
“Eu fui avisado de que provavelmente teria alguma operação, e que seria o ideal retirar ele do local”.
Légio em depoimento à PF
“Ele falou que a gente estaria numa situação de risco, a gente teria que se retirar.”
Légio em depoimento à PF
Légio aparece em inquérito da PF como o responsável pelo grupo paramilitar formado para proteger os Mota.
“Nas conversas interceptadas entre 06/01/2022 e 25/01/2022, percebe-se que Iuri Silva De Gusmão exerce a função de liderança do grupo armado, ficando abaixo apenas do próprio Motinha.”
Trecho de peça processual na Justiça Federal
Seleção internacional, salário em dólar
Para contratar os guarda-costas, era desenvolvida espécie de seleção internacional. Transcrição de conversa captada com autorização judicial, à qual a Capivara Criminal teve acesso, retrata comentário de Iuri de que a organização faria novas contratações.
Conforme o diálogo, havia uma lista de seis candidatos pelo mundo.
“A remuneração seria de US$ 2.500,00, mais o fornecimento de equipamentos, moradia, alimentação e transporte”.
Trecho de inquérito da PF
Em valores atuais, o montante livre de despesas seria de R$ 12,5 mil.
Em outra oportunidade, no dia 23 de janeiro de 2023, durante uma fiscalização em aeroporto, conforme a polícia, depois de ser flagrado com uma munição calibre .50 na mochila José Eduardo Vieira de Lima declarou ter ido a Pedro Juan Caballero/PY trabalhar como segurança em uma propriedade rural a 9km de Ponta Porã.
É importante anotar que o calibre .50, de alto poder destrutivo, é o mesmo usado na cinematográfica execução do traficante brasileiro Jorge Rafaat, em 2016, em uma esquina de Pedro Juan.
O convite para o serviço, conforme a declaração de José Eduardo, foi feito por Iuri de Gusmão. O segurança, quando abordado no aeroporto, estava há dois meses na cidade paraguaia e declarou receber a quantia de US$ 1,5 mil em espécie, sem qualquer formalização.
Trocando para a moeda brasileira, era um salário de R$ 7,5 mil.
No cálculo apresentado pelos investigadores federais para pedir à Justiça autorização para buscas e apreensões envolvendo os suspeitos de integrar organização criminosa, é citado ainda um montante equivalente a 150 mil reais em gastos com a equipe de seguranças.
“Foram encontradas anotações no aplicativo “Notes”, nas quais constam valores em dólares (os valores chegam a US$ 30.000,00), provavelmente, relativos aos ganhos pelos serviços prestados por Iuri e demais contratados.”
Trecho de inquérito da PF
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Flagrantes
Durante o monitoramento feito pelos policiais federais, foram flagradas situações demonstrativas da relação dos milicianos com a família Mota. Para começar, várias das armas registradas no Paraguai pelos mercenários haviam pertencido aos patrões anteriormente
No dia 28 de setembro de 2022, Iuri e um outro homem, um romeno, foram vistos no aeroporto de Ponta Porã, está descrito no inquérito. Estavam em um veículo Hyundai HB20, branco registrado em nome de Luís Guilherme Chaparro Fernandes, o Lugui.
“Tal veículo foi visualizado, no dia 14/10/2022, estacionado na entrada da garagem em frente à residência da família Mota”.
Trecho de inquérito da PF
Em vigilância do 14/10/2022, por volta de 15h16min, foi identificado pelas equipes de segurança um veículo L200 Triton, conduzido por “Lugui”, parando no estacionamento do aeroporto de Ponta Porã.
“Em seguida, uma mulher loira, trajando blusa roxa, calça e tênis branco, saiu do aeroporto e adentrou ao citado veículo”, informa documento oficial. Ela foi identificada como a namorada de Motinha, uma influencer fitness com mais de cem mil seguidores.

Na conta dessa mulher, foram identificados depósitos em espécie da ordem de cem mil reais, feitos por Luis Guilherme e Iuri, consta na investigação.
Lugui, conforme as descobertas da PF, tem aparente relação de proximidade com membros do clã suspeito de chefiar o narcotráfico.
Tinha como amigos no Facebook “Cecy Mendes Gonçalves e Cecy Mota”, respectivamente mãe e a irmã de Antônio Joaquim Mendes Gonçalves da Mota”, narra peça processual.
Champanhe e milhares de botões de rosa
A irmã de Motinha foi a noiva de um casamento promovido pela família, em 2016, que virou notícia de alcance nacional, tamanha a suntuosidade.
Foi construído um salão de quase 2 mil metros quadrados especialmente para a festa. Uma das paredes do local foi coberta com mais de 60 mil botões de rosa e a champanhe servida era a mais famosa e mais cara, para ficar em alguns detalhes.

Na visão da PF, corroborada pelo MPF ao oferecer denúncia à Justiça contra os Mota e aliados, todo esse luxo é fruto de dinheiro do tráfico de entorpecentes. Oficialmente, a família vive de pecuária e outros negócios.
Sócios do PCC
“Em datas que não podemos precisar, porém, entre os anos de 2017 até novembro de 2019, Antônio Joaquim Mendes Gonçalves da Mota, vulgo Motinha ou Dom, e Antônio Joaquim da Mota, vulgo Tonho ou Tonho da Mota, e Sergio de Arruda Quintiliano Neto, vulgo Minotauro, e Caio Bernasconi Braga, vulgo William, W ou Will, constituíram, financiaram, integraram e lideraram organização criminosa estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter diretamente vantagem pecuniária, mediante a prática de infrações penais, tais como tráfico internacional de drogas, corrupção ativa, porte ilegal de arma de fogo, cujas penas máximas ultrapassaram 4 (quatro) anos”, argumenta o MPF em peça acusatória de processo em andamento na Justiça Federal de Mato Grosso do Sul.
Indicados como comparsas de Motinha e de Tonho da Mota, Minotauro e Wil, cujo outro apelido é “Fantasma da Fronteira”, são integrantes da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital). Ambos são tidos como personagens de alto calibre na estrutura da maior máfia do país, deslocados para a fronteira com o Paraguai para comandar as atividades ilegais de narcotráfico, comércio de armas, assaltos e outras infrações penais, entre elas execuções de inimigos..
Os dois estão presos.
Nas revelações feitas pela persecução criminal da PF, aparecem mais indícios de ligações entre Motinha e o PCC.
“Nas agendas do tráfico apreendidas na casa de Motinha aparece o nome de Caio Bernasconi Braga, demonstrando a Join Venture entre os membros e líderes da Orcrim”.
Trecho de peça processual

Essa conexão foi levada ao conhecimento das autoridades por Felipe Ramos Moraes, um outro nome ligado ao PCC. Felipe fez acordo de colaboração premiada no qual falou da aproximação entre o “Clã Mota” e a facção.
“Felipe Ramos Moraes depôs no presente procedimento, disse que Caio Bernasconi e Minotauro se juntaram aos narcotraficantes Antônio Joaquim Mendes Gonçalves da Mota e Antônio Joaquim da Mota, tendo dito Felipe que pousou em uma pista na fazenda de Antônio Joaquim da Mota, localizada no Paraguai, na última visita que fez ao local”.
Trecho de inquérito da PF
Felipe morreu em fevereiro do ano passado, aos 36 anos, em confronto com a polícia na cidade de Abadia de Goiás (GO. Ele havia sido preso em maio de 2018, suspeito de envolvimento na morte de chefes de quadrilhas de tráfico de drogas Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, e Fabiano Alves de Souza, o Paca. Os dois eram ligados ao PCC e teriam sido assassinados a mando dos colegas de facção, por vingança.
Para ampliar as provas de contatos entre o “Clã Mota” e o PCC, nas captações feitas no inquérito que investiga a contratação de mercenários pela família, foram decifrados códigos em que surgem mais nomes de integrantes da cúpula do grupo criminoso na fronteira.
Nesse caso, os dados foram compartilhados pela Senad (Secretaria Nacional Antidrogas) do Paraguai.
“Parte dos códigos já teria sido desvendada indicando o seguinte: “Bonitão”, que seria Giovanni Barbosa da Silva (detido no ano de 2021); “Boy”, que seria Flavio Arruda Guilherme (detido no ano de 2020); “Bruxo”, que seria Wilian Meira do Nascimento (detido e expulso no ano de 2021); “Dog”, que seria Cleber Riveros Pavon, e “Domx’, que seria Antônio Mota”.
Trecho de inquérito da Polícia Federal
Cleber Riveros Pavon, apelidado de Dogão, está morto. Foi executado em um condomínio de luxo às margens da Represa Capivara, no município de Sertaneja (PR), em uma cena de violência impressionante.
Os assassinos, pelo menos 15, chegaram ao local de barco. Estavam encapuzados e com armas pesadas em punho. Invadiram o condomínio, cortaram o sistema de monitoramento e separaram Dogão da esposa e de um bebê, que estavam na casa. Quando estava sozinho, o traficante foi assassinado.
A Dogão, de 31 aanos, era atribuída uma recente chefia das ações do PCC na fronteira.
Quem são os mernecenários recrutados pelo “Clã Mota”
Quando a operação “Magnus Dominus” foi a campo em junho de 2023, estavam identificados dez mercenários integrantes da milícia armada dos Mota.
Entre eles, militares e profissionais treinados por forças e empresas de outros países.
De estrangeiros, havia um grego, um romeno e um italiano.
Confira quem são esses homens:
- Iuri Silva de Gusmão, o Légio (preso) : Tem 31 anos, é nascido em Belo Horizonte/MG. Segundo a PF, apresenta-se publicamente como especialista em segurança privada, ostentando diversos cursos operacionais, policiais e militares, com experiencia internacional. Durante as investigações, tinha vínculo com um empresa de comércio de artigos militares, além de ser proprietário, no Paraguai, de uma firma chamada Armory Tech. No país vizinho, era registrado como prestador de serviços. Tinha registro de diversas armas do lado de lá da fronteira.
- João Paulo Torres Veiga (foragido): Conhecido como Checheno, tem 34 anos, é de Belo Horizonte (MG). Tinha registro de três armas no Brasil e uma no Paraguai.
- Victor Gabriel Gomes Guimaraes Romeiro (preso):Aos 25 anos, “Preto” era sócio de clube de Tiro em Minas Gerais, de onde é original. Aparece em fotos ao lado de Iuri segurando uma arma pesada. Um registro de IP (número que identifica um celular, foi feito em seu nome na região fronteiriça durante as apurações.
- Wanderlei Cunha Junior (preso): Um dos mais experientes do grupo, aos 42 anos, é chamado de Nomad ou Yama Cunha. É do Rio de Janeiro, mas tinha endereço em Campo Grande. Em pesquisas no YouTube, foram encontrados vídeos de Nomad prestando informações de como é o trabalho de “mercenário” e informando que já atua desde 2015 nessa área, sempre no exterior, via “Private Military Contractor” (PMC). Essa informação teria sido confirmada no Instagram.
- Alberto Florisbal Schonhofen (foragido): É o mais velho dos mercenários, aos 43 anos. Já atuou como vigilante, possui treinamento operacional policial/militar. Para a PF, é possivelmente instrutor de armamento e tiro e inscrito junto ao Exército Brasileiro como CAC. Estava vinculado à ESA (European Security Academy), organização internacional com unidade no Brasil especializada na formação e treinamento de pessoal de segurança. Tem arma registrada no Brasil e no Paragui.
- Jefferson Gustavo Correa Honorato(preso): Ex-cabo do Exército Brasileiro, ex-militar da Légion Etrangére, atirador esportivo com certificado de registro no Exército e certificado pela ESA (European Security Academy, Jefferson é outro de origem em Minas Gerais. Há uma foto nas investigações dele com “Légio” e mais três integrantes da mílicia do Clã Mota. A quebra de sigilo de dados trouxe à tona fotos tiradas por Jefferson na fazenda da família Mota, nas quais aparecem vários fuzis e uma Barret .50.
- Ygor Nunes do Nascimento (preso): Roma ou Romonav, de 37 anos, era policial do DOF (Departamento de Operações de Fronteira), força da PM (Polícia Militar) de Mato Grosso do Sul dedicada justamente o combate do crime organizado. Estava na corporação desde 2006. Entre 2020 e 2021 ficou de licença da polícia para tratar de assunto de interesse pessoal. Tem seis armas registradas no Brasil.
- Musat Marian Cornel (foragido): É romeno, de idade não informada. Foi flagrado circulando por Ponta Porã junto com Iuri Gusmão. Também está em fotografias junto com colegas da milícia. No Sistema de Tráfego Internacional, consta uma entrada registrada, em 10/09/2021, a turismo, com a saída, em 11/12/2021, com destino a Pedro Juan Caballero/PY. Há anotações encontradas pela polícia que seu provável apelido, Ghosth, aparece ao lado de valores, possivelmente de pagamento pelos serviços. Tem uma tatuagem com a escrita Ghost.
- Giorgio Otta(preso): Italiano, idade não precisada. Tem registro de entrada e saída do Brasil nas mesmas datas do romeno Musat. Foi preso em dezembro do ano passado. As autoridades já estão no processo de solicitação de sua extradição para o Brasil. Também aparece em fotos com armas e outros guarda-costas do Clã Mota
- Nikolas Kifanidis(preso): De origem grega, prestou serviço à família Mota por pelo menos três meses, entre o final de dezembro de 2021 e março de 2022, levantou a PF. Em janeiro de 2022, foi localizado registro de hospedagem em hotel de Ponta Porã. Foi preso na semana passada, no Reino Unido. Sua extradição já foi pedida pela Justiça Federal.
