Quem se importa com Anderci?
A professora Anderci da Silva foi assassinada há quase três anos em Campo Grande, e até agora a identidade do atirador é uma incógnita. O caso está na quarta delegacia da Polícia Civil
Das 71 mortes violentas de mulheres registradas no ano de 2021 em Mato Grosso do Sul, uma foi a Anderci da Silva, de 44 anos.
Daqui uns dias, em 21 de março, faz três anos da partida dela, depois de ficar internada por um mês no hospital da Cassems, em Campo Grande.

Daqui uns dias, também faz três anos de um questionamento sem devolutiva: quem atirou em Anderci, na noite do domingo de 22 de fevereiro de 2021, provocando o ferimento responsável por sua morte?
Neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, a Capivara Criminal é em memória da professora assassinada, em um crime sem respostas até o momento.
No ar, uma terceira pergunta, desta colunista: se a vida de Anderci tivesse tido outro rumo, a morte dela provocaria escândalo e pressão nas autoridades por solução? As testemunhas teriam mais disposição para contribuir?
Neste dia de reflexão, a expectativa é que você, leitor, entenda ao longo desse texto o porquê da indagação.
Foi em circunstâncias bastante estranhas que Anderci chegou ao hospital. Ela foi literalmente despejada na porta do lugar, pelo então namorado, de 26 anos, acompanhado de uma mulher, em uma caminhonete de cor prata.

Uma jovem identificada como enteada fez a ficha de internação. O casal que levou Anderci foi embora, sem sequer conversar com os atendentes. Coube a funcionária da Cassems informar à polícia sobre a mulher ferida e deixada lá, evidentemente vítima de ato criminoso.
Cirurgia, CTI e morte
Atingida por um tiro na lombar, Anderci resistiu por mais um mês, mas o quadro só piorou. Logo na chegada, passou por uma cirugia no abdôme, para os médicos saberem como estava a situação, diante de ferimento de tiro. Já apresentava problemas de pressão, nos rins e em outros órgãos.
Na tarde de 22 de março de 2021, a paciente sofreu um choque séptico, seguido de falência de múltiplos órgãos. Por volta das 16h, foi constatado o óbito.
Além do ferimento grave, estava debilitada, diante das condições nas quais vinha vivendo. Pelos caminhos traçados na investigação, com base nas informações levantadas com familiares e conhecidos, ela e o tal namorado eram dependentes químicos. Haviam, inclusive, penhorado o carro da professora com um traficante. Nem celular tinham mais.
A família tinha dificuldades de falar com a mulher nos seus últimos meses de vida.
Muito diferente da professora concursada, que ensinava arte a crianças e era ativista de movimentos sociais. Em Dourados, havia disputado uma vaga para vereadora, sem êxito.
O descaminho
Moradora em Dourados até 2020, Anderci tinha parado de dar aulas na rede pública e estava vivendo em Campo Grande. Poucos meses antes de morrer, passou a morar com o namorado.
A filha relatou à polícia que até os cartões de Anderci ficavam com o companheiro. Ele chegou a ser suspeito do crime, desconfiança descartada ao longo das apurações.
De início, a hipótese de feminicídio foi considerada, e depois desconsiderada. Por isso, a coluna não o identificará.
Tudo indica, pelos detalhes angariados, que Anderci e o namorado se perderam juntos na vida, tragados pelo consumo de drogas.
Porém ele está vivo, e teria procurando tratamento contra a adicção, conforme declaração feita às autoridades para pedir adiamento de um dos depoimentos prestados.
Anderci não teve essa chance.
A versão dele
Ouvido pela primeira vez na Polícia Civil no dia 9 de março de 2021, na 3ª Delegacia de Polícia Civil, onde a ocorrência foi registrada inicialmente, por ser a área do estabelecimento de saúde onde Anderci estava, o namorado admitiu tê-la abandonado ferida gravemente.
Contou ter feito isso depois de um assalto frustrado, cometido pelos dois, para pagar por mais drogas. Quis se livrar da responsabilização pelo ato ilegal.
O alvo foi um ciclista, em uma rua de pouco movimento no Jardim Seminário, usando o veículo de Anderci, um Voyage prata de 2010.
Quando o rapaz foi ouvido em março na 3ª Delegacia, levou o carro da vítima, no qual era possível ver sinal de tiro.

Após a morte, a filha da vítima procurou a Depac (Delegacia de Pronto Atendimento Comunitário), a segunda delegacia onde os fatos chegaram ao conhecimento das autoridades.
Como a Depac só faz boletins e atendimentos durante os plantões, o caso foi transferido para a 2ª Delegacia de Polícia Civil. Nela são investigados os inquéritos relativos à região onde Anderci teria sido ferida.
Pouco avançou a investigação nesta unidade policial no sentido de identificar quem atirou em Anderci.
De relevantes, as diligências confirmaram a versão de que o casal realmente saiu às ruas para praticar um assalto, que estava acompanhado de um traficante, e que alguém, de motocicleta, atirou no veículo depois de impedir o roubo da bicicleta.
Vizinhos ouvidos pela polícia disseram ter ouvido tiros. Um deles falou em cinco disparos. Um outro chegou a acionar a Polícia Militar.
Quase ninguém saiu à rua, alegando medo.
Mesmo depois das notícias da morte da professora, nenhum morador procurou as autoridades.
Provas jogadas fora
Entre os vizinhos, uma mulher chegou a recolher cápsulas deflagradas do chão, guardou por vinte dias, mas como não foi procurada, jogou fora um importante elemento de investigação.
Só disse isso após ser chamada para depoimento.
Outro depoente morador da rua Muriaé revelou ter visto a movimentação e um carro de modelo Voyage fugindo em direção à Avenida Mascarenhas de Moraes.
Surgiu informação potencialmente relevante de uma moradora, que ouviu os tiros, saiu à rua, e encontrou um homem de motocicleta. Ele se identificou como policial civil, conforme o depoimento, e disse ter impedido um assalto ao ciclista.
Sobre os tiros, afirmou ter mirado o chão.
Um vigilante, desses que andam de motocicleta pelos bairros, foi ouvido, mas disse não saber de nada sobre o fato. Havia começado a trabalhar ali depois do episódio.
Quanto ao calibre da bala que matou Anderci, foi identificado como .40 ou equivalente pela perícia.
É o mesmo indicado pela vizinha que recolheu as cápsulas e descartou, conforme o inquérito ao qual a Capivara Criminal teve acesso.
De pedido em pedido de mais prazo para concluir a investigação, em novembro de 2022, a 2ª DP decidiu encaminhar o caso para a DHPP (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes de Homicídio).
A morte da professora chegou, então, à quarta unidade da Polícia Civil, duas de área, uma de plantão e uma especializada.
E agora?
Na DHPP, acostumada a assumir casos considerados complexos, novos depoimentos e diligências foram feitos.
Tomado em setembro do ano passado, um depoimento pode ser considerado sinal de um caminho para esclarecer a história.

A partir de nova oitiva do vigia atuante no bairro onde aconteceu o disparo contra Anderci, o responsável pela empresa que contrata esse pessoal foi intimado.
Ele vive no interior de São Paulo, mas mantém o negócio em Campo Grande. Disse desconhecer o fato de 22 de fevereiro de 2021, porém revelou quem era o vigia no bairro na região na ocasião.
Esse vigia, apurou a Capivara Criminal, é o suspeito de ter feito o disparo fatal contra a professora. A DHPP trabalha agora para identificá-lo.
À coluna, o delegado responsável pelo caso, José Roberto de Oliveira Junior, disse estar trabalhando junto com a equipe da DHPP para chegar a uma resposta sobre quem matou Anderci.
Como é praxe, não detalhou os próximos passos para não atrapalhar as investigações.