Ryan detalha execuções nas Moreninhas
Preso desde fevereiro do ano passado, primeiro Ryan Victório, o "Amarelinho", ficou calado na DHPP. Um mês depois, decidiu confessar e relatar pormenores de duas mortes em um trecho disputado por traficantes na Moreninha III
Nas três edições mais recentes, a Capivara Criminal está empenhada no relato sobre figuras humanas em plena juventude, no auge da capacidade de estudo, de trabalho, da força física; cheias de vigor para as mais variadas experiências de vida.
Só que se mostram abduzidas por uma guerra travada nas Moreninhas, região populosa no extremo sul de Campo Grande.
São vinganças, queimas de arquivo ou eliminação de concorrentes na disputa pelo controle da venda de drogas a outros rapazes e moças, em geral ainda na adolescência ou mal saídos dela.
A situação é tensa a ponto de provocar execuções sumárias e sequenciais, que acabam derivando em outras mortes.
Estabeleceu-se um ciclo aparentemente sem fim.
Como se percebe no vídeo acima por ali há um banho de sangue. Um sumidouro de jovens vidas. Uma ou mais falhas na mesa da ceia de Natal das famílias atingidas.
Na coluna deste domingo (7 de abril), são de Ryan Victório Alencar da Silva o rosto e a voz que deixam evidente o panorama de banalização da violência no trecho invadido pelo clima hostil.

Aos 21 anos, Ryan, ou “Amarelinho”, é um dos dois atiradores do flagrante gravado do início da coluna.
Reforço: a imagem é crua, agressiva. Impressiona até os menos sensíveis.
Trata-se do mundo real jogado na cara da sociedade em um video de 69 segundos. Desse jeito, a vida se perde onde a criminalidade acampa, longe do radar da segurança pública e ainda mais distante dos olhos de quem deveria pensar, e agir, para acabar com isso.

Na tela, a cena do assassinato de Gabriel Jordão Silva, aos 23 anos, no dia primeiro de fevereiro de 2023, na rua Baguari, Moreninha III.
Localizado no dia seguinte por policiais militares, Ryan admitiu a participação no crime. Sua captura levou a equipe de segurança até as armas usadas pelo trio responsável pelo ataque. Foram recolhidas uma pistola 9 mm, um revólver 38 e uma pistola 357.
Na delegacia, o preso se calou, acompanhado de dois advogados, no dia 2 de abril.
Veja como foi:
Quero falar
Pouco mais de um mês depois deu-se a virada nos rumos do inquérito. Familiares de “Amarelinho” procuraram a polícia declarando a vontade dele de dizer o que sabia.
No dia 17 de março de 2023, o indiciado depôs novamente, sem atendimento de advogado particular. Afirmou não saber de onde haviam surgido os profissionais da primeira oitiva, quando ficou quieto.
Sem defensor privado, a representação passsou a ser da Defensoria Pública.
O jovem explicou que não havia falado por medo. Temia principalmente pela família.
“Eu estou preso, mas minha família não.”
Ryan Victório
Disposto a não assumir sozinho a “bronca”, Ryan refez a cronologia do atentado contra Gabriel Jordão Silva, em depoimento ao delegado responsável pelo inquérito, José Roberto de Oliveira Junior.
Discorreu por meia hora, revelando pormenores. Segundo a confissão de “Amarelinho”, quem organizou a emboscada foi Wellington Bernardo da Silva, mais conhecido como “Tantan”.

Oficialmente barbeiro, aos 28 anos “Tantan” é apontado como atacadista de drogas nas Moreninhas e bairros vizinhos. Estaria insatisfeito com o fato de a vítima comprar o produto ilegal de outro fornecedor, em pedaço “exclusivo” de sua distribuição de maconha e cocaína.
A partir das menções do atirador confesso, conclui-se existir loteamento dos pontos de venda de droga na localidade específica conhecida como “Baixada” da Moreninha III, próximo de onde ficam os cemitérios do bairro.
A cena do crime
Sobre a noite da execução, Ryan detalha ter recebido mensagem de celular de Wellington, para encontro em uma conveniência. Em seguida, vão para outra. Nesse intervalo de tempo, foi anunciado pelo mentor o plano de matar Gabriel.
Segundo o depoente, “Tantan” conseguiu as armas para o intento e eles seguiram para a casa do alvo, num veículo Palio.
Passam primeiro para verificar se Gabriel Jordão está mesmo por ali; na segunda vez vão para cumprir a tarefa criminosa.
Ryan deixa o volante do carro – conforme contou no depoimento – e “Tantan” assume. No banco de trás, há um terceiro comparsa.
O Palio, prossegue o investigado, para perto da esquina da moradia de Gabriel. Ryan e o outro homem- o qual ele diz não saber quem é – descem de arma em punho.
Duas armas foram descarregadas, no meio da rua, para dar fim à existência do rival na traficância.
Havia pessoas passando na via, e nem isso impediu o atentado. Os pistoleiros estavam de cara à mostra.
A descrição dessa cena é o trecho mais impactante do depoimento de “Amarelinho” na DHPP (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes de Homicídio e Proteção à Pessoa).
Com outras provas obtidas pela pesquisa policial, Ryan e “Tantan” foram denunciados à Justiça por homicídio e já foram pronunciados, ou seja, transformados em réu.
Mesmo assim, a delegacia ainda trabalha para identificara o segundo atirador. Se isso ocorrer, o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) faz um acréscimo à denúncia.
A morte de Fefê
Em uma segunda gravação, feita no mesmo dia, sobre outro homicídio do qual é réu, Ryan confessa a presença no assassinato de Ronald Felipe Carvalheiro Cardoso, alvejado com 13 tiros na madrugada do dia 26 de junho de 2022, na rua Jutaí, mais um ponto da mesma região das outras mortes violentas. Ronald tinha 19 anos. Havia testemunhado uma morte semelhante a sua, tempos antes.
De novo, Ryan Victório atribui tudo ao desacerto por “corre” de droga. “Fefê”, diz, fechava com um outro fornecedor, Gabriel Brandão Mendonça, que também acabou sendo alvo de um ataque fatal.
“É uma guerra.”
Ryan Victório
O parceiro do homicídio de Ronald Felipe, acrescenta, foi um rapaz conhecido como “Gordinho”, com quem a vítima havia se desentendido um dia antes. Nessa briga, “Fefê” teria usado um facão para provocar estragos no carro do adversário.
Diego Felype Pereira de Jesus, o “Gordinho”, então, foi atrás de uma arma para se vingar. Ryan conta ao delegado a origem da pistola 380 e ainda como foi a execução. Novamente, afirma que foi Wellington Bernardo o fornecedor do armamento.
Relembra que no dia seguinte ao ocorrido, sua casa foi incendiada. Sua saída foi mudar de bairro.
É necessário registrar que o defensor de “Tantan”, Marcos Ivan Silva, nega a participação do cliente nas execuções.
“Não existe prova segura a alicerçar um processo , imagina uma condenação”
Marcos Ivan Silva, advogado de Tantan
Veja no vídeo com trecho de depoimento de Ryan
Esse processo está na fase de instrução. O último andamento foi a comunicação às defesas do prazo para apresentar a resposta à acusação, por escrito. Depois disso, virão as audiências para ouvir as testemunhas e o interrogatório do réu.
Quando à participação de “Tantan” nesse caso, o depoimento de Ryan ainda vai ser analisado e ainda pode ser feito um aditamento à acusação para incluir o nome dele.
“Gordinho” era ainda menor de idade quando esse fato aconteceu e por isso não respondeu criminalmente e sim por ato infracional.
No momento, aos 19 anos, está preso em decorrência de ter sido flagrado com uma carga de meia tonelada de maconha.
Ryan Victório, ou “Amarelinho”, é citado em, pelo menos, outras duas investigações de homicídios de jovens das Moreninhas nos últimos tempos.
Quem eram?
- Kelvy Dhoko de Souza Gonçalves – Assassinado aos 17 anos, no dia 17 de abril de 2023, na rua Baguari. O adolescente testemunharia à Justiça, no mês de maio, sobre a morte de Gabriel Jordão Silva, em fevereiro do ano passado, na mesma rua em que foi morto. Na Polícia Civil, havia implicado os dois réus (Ryan e “Tantan”). A mãe de Kelvy, nos depoimentos dados tanto à DHPP quanto à Justiça, revelou ameaças ao filho vindas exatamente das pessoas citadas por ele. Esse inquérito corre na 4º Delegacia, nas Moreninha III.

- Gabriel Brandão Mendonça – Morreu em 9 de novembro de Sambacuim, na mesma “Baixada” da Moreninha III citada nesta coluna. O caso correu na 4ª Delegacia, no bairro, e chegou a ser arquivado, sem apontar culpados pelo crime. Foi reaberto depois que a DHPP encontrou indícios de que arma usada para atirar em Gabriel Jordão da Silva possa ter sido de onde saíram os tiros que tiraram a vida de Gabriel Brandão Mendonça. Saiba mais sobre essa investigação na coluna do dia 31 de março.
O coração de mãe ferido
A partida desses dois jovens, ambos com histórico de envolvimento no mundo clandestino do tráfico de entorpecentes, feriu de morte a mesma mulher. Aos 45 anos, ela é mãe biológica de Kelvy e tratava Gabriel como um filho do coração. Em outra circunstância, perdeu uma filha para a violência, dessa vez no bairro Aero Rancho.
Foi feita uma tentativa pela Capivara Criminal de conversar com essa mãe. Machucada por tantas perdas, e amedrontada por tanta violência, ela fez silêncio como resposta aos pedidos.
Não há como não considerar o comportamento dessa mulher completamente compreensível. Pensar na dor dela foi um dos motores propulsores do interesse da colunista em vasculhar esse quadro de surto de execuções nas Moreninhas.
Comentários (1)
Nem devia ser notícias, só dá Ibope a marginais