"Sintonia dos Gravatas": Gaeco de MS denuncia à Justiça 11 advogados como integrantes de facção
Ao todo, nessa denúncia são 29 pessoas acusadas pelo Gaeco, entre advogados, um servidor público e integrantes de facção
Na mais ampla denúncia decorrente da operação “Courrier”, 29 pessoas são acusadas pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado) de fazer parte de esquema ilícito envolvendo advogados, servidor público e integrantes da facção de maior influência negativa dentro das cadeias em Mato Grosso do Sul, que também age do lado de fora.

Na peça, a terceira em consequência da operação, a que o Primeira Página teve acesso, são relacionados 11 advogados como integrantes da “Sintonia dos Gravatas”. A denominação é dada a grupo de profissionais que usam sua condição de operador do Direito, com direito a visitas rotineiras aos detentos, para apoio a atividades ilícitas.
Ainda neste texto, você vai ver o nome de todos os envolvidos na denúncia.
Entre os denunciados, o nome mais conhecido não é de Mato Grosso do Sul. Trata-se de Marco Antônio Arantes de Paiva, advogado de São Paulo que ficou notório por representar Marcos Willians Herbas Camacho, o “Marcola”, tido como cabeça da máfia surgida nas penitenciárias paulistas na década de 1990.
Contra Paiva, há a suspeita de vir a Mato Grosso do Sul especialmente para trazer recados de “Marcola” a outro faccionado, que cumpria pena no presídio da Gameleira, em Campo Grande, unidade apelidada de “Supermáxima”, dada a rigidez no sistema de custódia.
É a segunda ação na qual ele figura como acusado. Em manifestação ao PP, o criminalista refutou as implicações feitas contra ele.
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De acordo com as pesquisas feitas pelo Gaeco, porém, a advogada Paula Tatiane Monezzi, que está presa desde 25 de março, revelou em conversas interceptadas que Marco Antônio Arantes de Paiva esteve com o faccionado Esdras Augusto do Nascimento Junior, no dia1º de julho de 2021, e esse encontro teria o objetivo de receber os recados de “Marcola”. Esdras, na época, estava na “Supermáxima”.
Ainda nas palavras do Gaeco, Paula Monezzi e o colega Bruno Ghizzi, também preso na operação, estavam agindo com o advogado de Paiva para coletar recados “do líder absoluto da organização criminosa”.
O “delator”
Bruno Ghizzi é peça-chave da apuração, depois de ser descoberto como a pessoa que usou a senha do analista judiciário Rodrigo Pereira da Silva Correa, outro que está encarcerado, para ter acesso a bancos de dados sigilosos. Na madrugada do dia 1º de julho do ano passado, Ghizzi consultou, por três vezes, os prontuários do delegado Carlos Delano, responsável por investigação de “tribunais do crime” e também integrante da força-tarefa que age contra milícias armadas no estado.
A data coincide com a vinda de Marco Antônio Arantes de Paiva para Mato Grosso do Sul, ressalta o Gaeco. Neste dia, os dois advogados jantaram juntos, como admitiram, e a conversa envolveu a estratégia para transferir da “Supermáxima” outro detento, Jesus Einar Lima Dorado, o “Dom Pulo”, indicado como herdeiro do colombiano Pablo Escobar, exatamente o homem morto na década de 1990 e que ficou famoso como o “maior traficante de cocaína” do mundo.

Identificado como o responsável pela pesquisa irregular, no dia 4 de julho, Bruno Ghizzi procurou o delegado a quem consultou e fez relato sobre a “Sintonia dos Gravatas”, no qual cita o defensor de “Marcola” e também a atuação à margem da lei de outros colegas.
A partir daí, se desenrolou complexa investigação, que casou com outro inquérito em curso desde maio de 2021, quando um bilhete foi apreendido na cela do detento Edimar da Silva Santana, na “Supermáxima”, com ordem para atentados a autoridades do Judiciário em Mato Grosso do Sul e Minas Gerais.
“Arqueiro” também foi pego com um celular, único episódio do tipo até hoje nessa prisão. Ele chegou a tentar destruir a prova, apontam os detalhes descobertos pelo inquérito originário da “Courrier”.
“A partir dessas informações, somadas às análises dos dados extraídos dos aparelhos celulares dos denunciados, das interceptações das comunicações telefônicas e de dados telemáticos, bem como trocas de informação com outras unidades policiais e de inteligência, vigilâncias, entrevistas, reconhecimentos operacionais, entre outros, foi possível apurar que, cada qual a seu modo e com funções específicas, integram a facção criminosa ”, descreve a peça acusatória do Gaeco.
No trecho acima da denúncia, são citados os 29 denunciados, por crimes de formação de organização criminosa, associação para o tráfico, tráfico de drogas, corrupção ativa, corrupção passiva e violação do sigilo de fonte.
Outras duas petições acusatórias também foram apresentadas à Justiça, uma com 7 pessoas e outra com 8 pessoas. Entre as ações, há réus em comum. Podem haver outras acusações, uma vez que tudo corre em sigilo.
Abaixo você vai ter o nome dos que estão na peça acusatória que foi descrita neste material:
- Bruno Ghizzi, advogado denunciado por integrar organização criminosa armada e receptação qualificada), na forma do art. 69 do código penal;
- Rodrigo Pereira da Silva Correa, analista judiciário: integrar organização criminosa armada, corrupção passiva) e violação de sigilo funcional;
- Inaiza Herradon Ferreira, advogada: integrar organização criminosa armada), violação de sigilo funcional e associação para o tráfico.
- Caroline almeida de Souza, advogada: integrar organização criminosa armada e associação para o tráfico.
- Cristhian Thomas Vieira (“Tio Doni” ou “Corumbá”), detento faccionado apontado como o responsável por dar ordem aos advogados prestadores de serviços ilegais: integrar organização criminosa armada) e associação para o tráfico,
- Douglas Silva Fonseca (“Pelezinho” ou “Macaco”), detento faccionado: integrar organização criminosa armada e associação para o tráfico.
- Kamila Mendes de Sousa, acusada de tráfico, presa no dia 25 de março: integrar organização criminosa armada e associação para o tráfico.
- Leandro Aparecido Lopes (“Liderança”), preso faccionado: integrar organização criminosa armada e associação para o tráfico.
- Maria Cristina Jeronimo Lopes: integrar organização criminosa armada, associação para o tráfico.
- Thiago dos Santos Barbosa (“Fred”), detento faccionado: integrar organização criminosa armada e associação para o tráfico.
- Marlon Guilherme Roriz Guimarães Paiva, que era porteiro do prédio onde o advogado Bruno Ghizzi atuava: receptação qualificada por ficar com itens que eram produto de crime.
- Maxuesle Rodrigues Andrade (“Kabuloso” e/ou “Marquinhos”), detento faccionado: integrar organização criminosa armada);
- Paula Tatiane Monezzi, advogada: integrar organização criminosa armada);
- Thais de Oliveira Caciano, advogada: integrar organização criminosa armada e associação para o tráfico.
- Lucas Eric Ramires dos Santos, advogado: integrar organização criminosa armada.
- Gabriella Rolon Godoy, integrar organização criminosa armada.
- Janaína Faria Ramos Candia Scaffa, advogada: integrar organização criminosa armada;
- Andreia Florindo da Silva Santana, que está desaparecida: integrar organização criminosa armada.
- Cleia Ramos da Silva, apontada como integrante do núcleo da apoio da facção em Dourados: integrar organização criminosa armada.
- Edimar da Silva Santana, “Arqueiro”: integrar organização criminosa armada.
- Márcio Geraldo Alves Ferreira, integrar organização criminosa armada
- Nadir Emylli Delmondes Ivarra, esposa de preso faccionado: integrar organização criminosa armada.
- Cleiton Cordeiro de Oliveira, detento faccionado: integrar organização criminosa armada.
- Cybelle Bezerra da Silva, advogada: integrar organização criminosa armada.
- Desirre de Luca Couto de Oliveira, integrar organização criminosa armada) e associação para o tráfico.
- Elaine Farias Vasques de Camargo, integrar organização criminosa armada.
- Everton Gomes Rodrigues (“Neguinho”), integrar organização criminosa armada) e associação para o tráfico.
- Marco Antônio Arantes de Paiva, advogado de São Paulo, integrar organização criminosa armada;
- Rafael Mennella, advogado de São Paulo: integrar organização criminosa armada).
O que diz a OAB?
Com tantos advogados implicados, a entidade classista da categoria em Mato Grosso do Sul criou uma comissão para acompanhar as investigações. Porém, não comenta os fatos denunciados, por correrem em sigilo.
Procurada, a OAB de São Paulo, à qual são ligados três advogados – Bruno Ghizzi, Marco Antônio Arantes de Paiva e Rafael Menella – informou que não comenta casos específicos em razão do segredo de justiça.
A entidade, por meio do Tribunal de Ética, enviou o posicionamento que é válido para os episódios do tipo em geral. “A OAB SP apura toda e qualquer infração que chegue a seu conhecimento por intermédio de representação ou diante de fato divulgado em canais de comunicação. Contudo, as decisões de caráter disciplinar proferidas pela entidade somente são executadas após o julgamento de todos os recursos pendentes, inclusive perante o Conselho Federal”, diz o texto.
A nota se encerra com o alerta de que “há necessidade, portanto, de se aguardar o trânsito em julgado da matéria”.