"Sintonia dos Gravatas": advogados fizeram "leva e traz" para suspeito de assalto em Araçatuba
Grupo de profissionais do Direito, conhecido como "Sintonia dos Gravatas", já foi denunciado à Justiça por servir de célula de apoio ao crime
No meio dos inúmeros recados repassados, por meio de advogados, entre criminosos integrantes da facção que domina massa carcerária em Mato Grosso do Sul, um chama a atenção no material rastreado pela operação “Courrier”, ação dedicada à investigação de grupo de profissionais do Direito já denunciados à Justiça por servir de célula de apoio ao crime. A mensagem partiu de “Cara de Cavalo” para Anderson Meneses de Paula, o “Tuca”. Era 16 de dezembro e “Tuca” estava no presídio fechado da Gameleira, a “Supermáxima”, em Campo Grande.

“Cara de Cavalo”, pessoa não identificada mas apontada pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Atuação e Combate ao Crime Organizado) como um dos cabeças da facção, primeiro manda abraço para o destinatário, de sua parte e dos “amigos que ele sabe quem é”. Na sequência, garante que não abandonará “Tuca”, assegura estar cuidando da família do preso e combina a forma como se comunicará, através da “sra”.
Senhora, no caso, é Paula Tatiane Monezzi, advogada denunciada à Justiça por integrar organização criminosa armada, em razão dos indícios levantados de que integra a “Sintonia dos Gravatas”. Assim é chamada a banca de advogados acusados pelo Gaeco de usar sua prerrogativa de acesso aos detentos para levar e trazer recados, entre eles planejamento e detalhamento de atos ilícitos, como tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e até mesmo planos de atentados a autoridades do Judiciário.
O recado de “Cara de Cavalo” foi enviado para ela via WhatsApp e depois entregue pessoalmente ao preso, conforme as extrações feitas pelo Gaeco no celular de Paula Monezzi. O aparelho foi apreendido durante o cumprimento das ordens judiciais da operação “Courrier”.

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Lavagem de dinheiro
Na segunda parte do recado interceptada está o conteúdo que o Gaeco considera mais importante. “Sobre o dinheiro do câmbio, estamos em cima para pegar de volta”, escreve “Cara de Cavalo”.

“Importante citar que as organizações criminosas possuem o modus operandi de lavar os valores auferidos de crimes patrimoniais em Casas de Câmbio no território Paraguaio, conforme demonstrado em diversas investigações passadas. Diante da mensagem do Faccionado “CARA DE CAVALO” para “TUCA PCC” de que vai recuperar os valores do “cambio”, há possibilidade de que esse núcleo do PCC atua da mesma forma”, explicita o Gaeco sobre o recado encontrado no histórico do aplicativo instalado no celular da advogada.
Anderson Meneses de Paula foi tema de disputa entre advogados acostumados a atender presos na Gameleira, como indicam os diálogos obtidos. Foi possível encontrar até ofensas entre os profissionais, em razão da tentativa de ganhar a confiança do homem apontado pelas autoridades como o chefe da célula da facção na fronteira com o Paraguai.
Quem é “Tuca”
Anderson Meneses de Paula, 34 anos, é um faccionado cuja prisão demandou ofensiva policial desencadeada num domingo, uma raridade na Polícia Federal. Ele foi alvo da operação “Escritório do Crime”, desenvolvida em outubro do ano passado, para fechar ponto de auxílio à máfia dos presídios em Ponta Porã, na fronteira com o Paraguai.
“Tuca”, conforme as apurações divulgadas à época, havia chegado na região fazia pouco tempo, coisa de meses, para comandar os faccionados na linha fronteiriça. Além disso, pesava contra ele a suspeita de ser um dos participantes do crime na modalidade conhecida como “Novo Cangaço”, ocorrido em Araçatuba, no dia 30 de agosto de 2021. Na data, bandidos fortemente armados provocaram terror na cidade para roubar duas agências bancárias.

Feita simultaneamente em Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, a ação teve 8 presos. A ordem foi decretada em inquérito aberto em junho de 2021 para apurar atividade da organização dedicada ao tráfico de armas e de entorpecentes.
“Tuca”, ao participar da audiência de custódia, que homologou o flagrante, disse ter vindo à região há menos de um mês para acompanhar cirurgia plástica da esposa, Francisca Kelly de Lima e Silva. Ela também acabou na cadeia na época.
Paula Monezzi, conforme o conteúdo arrecadado pelo trabalho do Gaeco, também transmitiu recados da companheira para “Tuca”. Francisca estava no presídio feminino em Campo Grande.
Quando os dois foram presos, a justificativa dada na audiência de custódia foi de que tinham vindo de São Paulo para Mato Grosso do Sul para uma cirurgia plástica em Francisca, por ser mais barato nessa região. Para a PF, porém, a versão não era verossímel diante do monitoramento feito das movimentações do grupo.
Na operação “Escritório do Crime”, houve prisões no Brasil, em uma casa de Ponta Porã, e apreensão de armamento pesado em um bunker de Pedro Juan Caballero. Tanto esse episódio criminoso quanto o crime do “Novo Cangaço” em Araçatuba ainda não tiveram responsabilização penal dos envolvidos.