Testemunhas de atentado no Los Angeles mudam versão
Mãe e esposa do homem morto no dia 24 de maio, em Campo Grande, negaram à Polícia Civil que a família estivesse recebendo ameaça de chefe do tráfico
Duas testemunhas do atentado com um morto e dois feridos ocorrido no dia 24 de maio de 2023, no jardim Los Angeles, em Campo Grande, desdisseram na delegacia informação crucial dada no calor dos fatos, conforme descrito no boletim de ocorrência.

A esposa e a mãe do homem executado, Jairo Lourenço da Silva, 23 anos, negaram no depoimento à Polícia Civil, tomado uma semana depois dos crimes, ter nominado um suspeito de ser o mandante do ataque.
A mãe, Eliane Lourenço da Silva, 45 anos, foi ouvida em primeiro de junho. Afirmou que o outro filho baleado no dia, Jefferson Lourenço da Silva, 27 anos, segue internado na Santa Casa de Campo Grande, em coma. Policiais militares fazem a escolta do preso e quando ele tiver alta, vai diretamente para o sistema prisional, pois foi autuado em flagrante por tráfico de drogas.
Sobre quem teria planejado o ataque – diferente das afirmações constantes do boletim registrado logo após o tiroteio – a mulher disse não ter conhecimento de perseguições anteriores.
No registro do dia, feito pela Depac (Delegacia de Pronto Atendimento Comunitário) Cepol, no bairro Tiradentes, é atribuída a ela, mais de uma vez, declaração sobre ameaças à família, vindas de um homem apontado como chefe do tráfico no bairro Tijuca, figura conhecida dos policiais atuantes contra o mercado de entorpecentes em Campo Grande.
Esse homem – que não será nomeado pela coluna pois não é oficialmente investigado no caso – está prestes a ser levado a júri por crime parecido, de execução em um ponto de venda de drogas, no trecho do Tijuca conhecido como “Quadrilátero das Mortes”. A denominação tem a ver com o número de homicídios em curto espaço de tempo, relacionados à disputa pelo comando da venda de cocaína e maconha.
A ele, no registro inicial do atentado no Los Angeles do dia 24 de maio, é debitado o mando da execução de um terceiro filho de Eliane, Henrique, ocorrida em 2021, por razões semelhantes. Embora esteja com prisão decretada, cumpre a restrição de liberdade em casa, monitorado por tornozeleira eletrônica, em razão de autorização judicial para tratamento médico.
Depoimento à Polícia Civil
“Respondeu que não tem essa informação, inclusive não conversou com nenhum policial até esta data.”
O que está escrito acima consta do termo de depoimento de Eliane na delegacia, ao qual a Capivara Criminal teve acesso.
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Nas palavras da mãe de dois dos três atingidos no ataque, confiadas ao delegado Rodolfo Daltro, da 5ª Delegacia de Polícia Civil, no bairro Piratininga, a família trabalhava em um depósito de recicláveis.
O filho ferido gravemente, afirmou a testemunha, era dependente de maconha e havia pedido dinheiro emprestado para “ir embora”. Conforme o relato à polícia, ela havia emprestado ao filho quantia próxima de R$ 7 mil para esse fim.
Ao ser indagada pela autoridade policial, disse não saber porque a informação sobre o tal chefe do tráfico foi incluída no B.O confeccionado na sequência do homicídio e das duas tentativas de homicídio. Alega, ainda, desconhecer de quem se trata.
Declaração semelhante foi dada por Lorrayne Aline da Silva, 22 anos, mulher de Jairo, a vítima fatal.
Minutos depois do atirador deixar o lugar do crime, novamente de acordo com o boletim de ocorrência do dia 24 de maio, a viúva declarou a policiais que o marido era alvo de ameaça do mesmo chefe do tráfico nomeado pela mãe da vítima.
Quando foi ouvida de novo na delegacia, em 31 de maio, o discurso mudou. Afirmou não ter dito nada sobre suspeita de quem poderia ter encomendado o crime. Declarou não ter informações sobre intimidações a Jairo Lourenço da Silva.
Segundo Lorrayne, o marido trabalhava com a mãe no depósito de material reciclável e “não estava mexendo com nada errado”.
Lorrayne entregou o celular do marido morto só no dia do depoimemto. Disse ter recolhido o eletrônico do chão por saber que o marido seria socorrido. Entregou também o próprio aparelho. Jairo tinha passagens por tráfico de drogas. Lorrayne também já foi presa pelo mesmo motivo.
Na casa, foi encontrado meio quilo de cocaína e uma porção de maconha. Filmagens recuperadas do circuito interno de segurança mostraram a movimentação com a sacola onde estaria o entorpecente. Também encontrados mais de R$ 9 mil em dinheiro vivo.
Para os policiais que lá estiveram, era uma boca de fumo e estava havendo consumo inclusive na hora do atentado.
A cena
Tudo ocorreu em meio a um churrasco para celebrar o aniversário de Lorrayne. Uma criança de 4 anos, filha de Lorrayne e Jefferson, estava na porta da casa e sobreviveu ao ataque. Outra criança estava dentro do imóvel.
Câmeras de segurança mostraram a cena:
É possível ver três carros. Primeiro um Fiesta prata trafega pela rua, para um momento após a casa, a porta do passageiro é aberta brevemente, e ele segue o caminho. Depois vem um Ônix branco.
Do Ônix, do lado da direção, desce o atirador, encapuzado, e dispara mais de 10 vezes. Ele chega a cair de arma em punho, volta para o carro e vai embora. Atrás dele, antes dos disparos, há um outro veículo, de cor clara. O motorista dá ré e vai embora quando o pistoleiro desce.
Não foi confirmado ainda se houve troca de tiros, mas existe essa suspeita.
Jairo morreu na hora. O irmão dele, Jefferson, foi ferido e levado para Santa Casa. A mulher de Jefferson, Márcia da Silva dos Santos, também foi ferida e levada para o Hospital Regional de Mato Grosso do Sul.
Havia mais duas pessoas na casa, dois homens, que sumiram depois do acontecido. Instantes depois do tiroteio, as pessoas saem da casa, inclusive a criança.
Foi bastante intensa a movimentação de equipes de socorro e segurança no local. Havia gente de mais de um batalhão da Polícia Militar, de pelo menos duas delegacias de Polícia Civil, além do Corpo de Bombeiros.
As duas mulheres receberam ordem de prisão no dia, por tráfico de drogas, porém acabaram soltas depois. Pela busca nas imagens gravadas dentro do imóvel, a responsabilidade pela droga foi entendida como sendo dos dois irmãos feridos pelos atiradores.
Além de ter citado o suposto mandante, as testemunhas falaram em dois pistoleiros como possíveis executores. Os apelidos citados foram “Motoca e Cupim”.
Arquivo incendiado
Em sequência típica de crimes de pistolagem, um carro do modelo Ônix foi achado incendiado no dia seguinte, não muito longe do local dos fatos.
O veículo foi periciado e, embora não haja confirmação científica, tudo indica ser o automóvel usado pelo atirador.

Logo depois do atentado, chegou a ser cogitada a transferência da investigação da delegacia da área para a DEH (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes de Homicídio), dada a complexidade do caso e a suspeita de envolvimento do crime organizado.
A DEH é uma das unidades que integram força-tarefa responsável por apurar assassinatos com característica de crime de mando mediante paga, ou seja, a cargo de pistoleiros, no âmbito da operação Omertà, contra milícias armadas bancadas pelo jogo do bicho.
No fim da semana passada, porém, o inquérito acabou sendo aberto pela 5ª DP.
Como não há ninguém preso, o prazo inicial de conclusão da peça investigatória é de 30 dias, passíveis de prorrogação, a ser deferida pelo MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul).