Xaropinho e a faculdade do crime dentro das cadeias de MS
Preso suspeito de planejar ataques a policiiais penais foi transferido de MS para o Rio Grande do Norte. Saiba porque na Capivara Criminal
Punido com mais de 40 anos de reclusão, o detento “Xaropinho”, de 35 anos, é investigado como mentor de plano de atentado a policiais penais de Mato Grosso do Sul. Por isso, está cumprindo pena a mais de 4 mil quilômetros da terra natal.

Assunto da coluna Capivara Criminal deste domingo (21 de abril), “Xaropinho” explica, com sua vida de ilegalidades, porque as facções criminosas denominam as cadeias de “faculdades”.
Entrou menino na prisão. Passados 18 anos, formou-se uma das chefias em terras sul-mato-grossenses do PCC (Primeiro Comando da Capital), a máfia surgida em São Paulo trinta anos atrás, atualmente com raízes pelo mundo afora.
Para isolar o criminoso, a pedido das autoridades de segurança, a Justiça determinou a transferência do interno ao sistema prisional federal, tido como o mais rígido do país. Primeiro, o condenado saiu do complexo de presídios no Jardim Noroeste para a unidade de Campo Grande.
Depois foi levado para a de Mossoró, no Rio Grande do norte. Ainda neste texto você vai saber de detalhes da mudança.
Rodrigo Lima do Nascimento, registro de “Xaropinho” nos documentos oficiais, deu a largada na carreira de ilegalidades e violência na adolescência, no Jardim Nha-Nhá, bairro campo-grandense que acumula pontos de venda de droga e, como consequência, é palco de ocorrências derivadas de toda a sorte.
Desde 2006, “Xaropinho” coleciona passagens por ambientes policiais.
São 18 anos pelo menos de histórico à margem dos combinados da sociedade, do primeiro flagrante por porte ilegal de arma, na condição de menor de idade, às condenações por tráfico de drogas e crimes de sangue, ou seja, tentativas e homicídios consumados.
Aos 22 anos, enquanto estava no cárcere, Rodrigo Lima Nascimento foi identificado como o mandante da execução da ex-companheira, Dandara Silva Souza, da mesma idade.
Comandou o assassinato via telefone, descobriu a investigação da 5ª Delegacia de Polícia Civil em Campo Grande, no bairro Piratininga.

Dandara, mais conhecida como Débora, também tinha passado pela prisão. Na tarde de 22 de fevereiro de 2011, junto com o então namorado, outro que já tinha ficado no cárcere, foi sequestrada por dois homens em um Celta de cor escura.
De acordo com o caderno policial, o casal foi levado para uma área de mata, onde estavam outros dois homens de motocicleta.
Dandara foi alvejada com disparos de calibre .40, morrendo ali mesmo. Ao lado do corpo, um chinelo branco e rosa e a camiseta de uniforme da rede municipal de ensino.
O namorado foi ferido, mas conseguiu fugir e pedir ajuda. Segundo o relato dele, havia uma terceira vítima, porém nunca foi encontrada, nem viva nem morta.
Por esse caso, a pena imposta pelo júri foi de 25 anos e 9 meses de reclusão.
“Xaropinho” admitiu ter ordenado uma surra na ex-companheira, por estar envolvida com outra pessoa.
“Mandei dar um couro nela”
Confissão de Rodrigo durante o processo por homicídio
Na época, ainda não havia a agravante do feminicídio, criada em 2015.
A condenação, então, foi por homicídio duplamente qualificado, mediante paga ou outro torpe e à traição, emboscada, ou outro meio que dificuldade a defesa da vítima.
“O preso vem realizando ameaças à sua ex-mulher mesmo dentro do presídio via Whatsapp, conforme Boletim de Ocorrência 50/2023 de 03 JAN 2023”
Trecho de relatório de inteligência
Quer dizer: tantos anos depois de mandar matar a jovem por puro sentimento de posse, Rodrigo seguia com o mesmo tipo de comportamento, mesmo intramuros e sob a vigilância do estado.
Foi feito registro por violência doméstica, mantido em sigilo, para proteger a vítima.
Liderança negativa
Em sua ficha, Rodrigo é chamado pelas autoridades do sistema prisional por outros apelidos, como Rodriguinho, Gustavo, Xarope, SUS e até por PCC. O último “vulgo” citado, na linguagem típica policial, diz muito sobre sua relação com a irmandade do crime.
Tanto que é traduzido em peças processuais como liderança negativa na massa carcerária.
“O preso já exerceu as seguintes funções dentro da facção, “GERAL DO INTERIOR”, “GERAL DA RUA”, “GERAL DA CAPITAL”, “GERAL DA PARAÍBA”, “GERAL DO FEMININO”, “GERAL DO SISTEMA”, “LIVRO NEGRO DOS ESTADOS”, “GERAL DA RUA DO MS”, sendo responsável por várias execuções na Vila Nha-Nhá em Campo Grande/MS, “SALVEIRO DOS ESTADOS E PAÍSES”, “DISCIPLINA DA RUA”, descreve trecho de relatório de inteligência anexado a processo
Conforme o documento, Rodrigo é o principal contato do estado de Mato Grosso do Sul com a cúpula do PCC de São Paulo, “sendo o responsável pela análise dos fatos e posterior consulta a “FINAL GERAL” do Estado de São Paulo”.
Essa instância da máfia, conforme os levantamentos realizados, define as condutas a serem tomadas, quais sejam, agressões ou execuções.
Diante de seu grau de perigo, o detento já ficou em diversas unidades do sistema prisional, inclusive no interior, com uma passagem pela PED (Penitenciária Estadual de Dourados), na qual a atuação do PCC é bastante acentuada.
“Em 2017, “XAROPINHO”, montou um projeto para levantar fundos para apoiar colocar munição de armas para dentro da PED”.
Trecho de relatório de inteligência
Não pode ficar em MS
Todas essas informações foram usadas para convencer a Justiça da necessidade de transferir o preso para um sistema capaz, de fato, de impedir sua influência sobre os outros internos, ao ponto de planejar ataques a servidores responsáveis pela fiscalização e cumprimento das regras no cárcere.
“No caso em tela, a Agência Estadual de Administração Penitenciária – AGEPEN/MS, verificou a existência de articulação por parte das lideranças da OrCrim Primeiro Comando da Capital com a finalidade de apresentar denúncias falsas relacionadas à falta de atendimento médico e de medicamentos, além de maus-tratos aos presos no Estabelecimento Penal Jair Ferreira de Carvalho”, argumenta despacho do Judiciário.

EPJC é o estabelecimento conhecido por Máxima em Campo Grande, para o qual são levados presos faccionados do PCC.
De acordo com a descrição feita ao Judiciário, a articulação envolvia a participação de diversos presos integrantes ou simpatizantes da “OrCrim”.
“Tinha por objetivo tentativa de investir contra a vida de policiais penais que atuavam no Estabelecimento Penal Jair Ferreira de Carvalho, cabendo ao representado Rodrigo a autorização para realização dos atentados, servindo como principal articulador do PCC nesse Estado e elo de ligação com as lideranças da OrCrim em São Paulo, pertencendo ao “Resumo Final do estado”.
Trecho de peça processual
O motivo
Na peça processual em questão, é consignado que a insatisfação e a consequente articulação por parte dos integrantes da facção para organizar ataques decorreu do “descontentamento com a implantação de mudanças na forma de gestão da Unidade Prisional Jair Ferreira de Carvalho impostas pela nova Direção da unidade”.
“Apesar de medidas diversas estarem sendo tomadas para resguardar a segurança de servidores do Estado, ainda é latente a informação sobre descontentamento dos líderes da OrCrim PCC, pois os mesmos estão sendo coibidos e perdendo força dentro do MS, um dos pontos mais estratégicos em termos de localização e estrutura física”, prossegue trecho de autos.
Registre-se que o agravante cumpre pena superior a quarenta anos de reclusão, por diversos crimes como: tráfico de drogas, porte ilegal de arma de fogo, homicídio, violência doméstica, estando no sistema penitenciário desde 2007, cita o documento que autorizou a ida para o sistema prisional mantido pelo Mninistério da Justiça.
“Dos elementos elencados aos autos, extrai-se que o agravante estaria envolvido no planejamento de atentado a policiais penais da atual gestão do EPJFC, e seria o responsável por autorizar o atentado contra os Policiais, e que seria o mentor dos ataques”.
Trecho de decisão judicil
São parte de decisão da Câmara Criminal do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) essas citações relacionadas ao plano de ataque a servidores do sistema penal estadual.
O despacho foi uma resposta a pedido da defesa de “Xaropinho” para retorno à Máxima.
“A referida troca causou-nos estranheza, pelo fato que nos autos, se quer tem provas concretas dos crimes a ele imputado, veja, que se tem apenas ilações ou conjecturas sem qualquer provas concretas nos autos, o Agravante deveria ter permanecido segregado no presídio local, por sinal, local competente para o cumprimento da pena, e, sobretudo, estabelecimento este mais cômodo para que os seus familiares prestem o auxílio assistencial necessário”, contrapôs petição da defesa de “Xaropinho”.
Na decisão negando a solicitação, os desembargadores da Câmara Criminal argumentam haver motivos para custodiar o preso em local mais seguro para a sociedade.
“Art. 3º Serão incluídos em estabelecimentos penais federais de segurança máxima aqueles para quem a medida se justifique no interesse da segurança pública ou do próprio preso, condenado ou provisório.”
Para encerrar o entendimento favorável à permanência de Rodrigo Lima do Nascimento em Mossoró, por três anos pelo menos, a decisão judicial diz que o direito do preso à permanência junto ao meio social em que vivem os parentes não é absoluto, pois “o seu interesse pessoal de permanecer junto à sua família ser sobreposto ao interesse público.”
Ainda cabem recursos a tribunais superiores em relação à transferência do detento.